O verdadeiro humor exige criatividade



 O humor é uma arte que exige perspicácia, timing e criatividade. No entanto, ao longo dos anos, muitos confundiram a verdadeira essência do humor com a simples prática da "zoeira" – isto é, fazer piadas baseadas na ridicularização de outras pessoas, na repetição de estereótipos e na exploração de preconceitos já arraigados na sociedade. Essa abordagem não só empobrece a qualidade do humor, mas também reflete a falta de originalidade de quem a pratica. Qualquer pessoa pode fazer uma zoeira, provocar ou ofender alguém, mas criar piadas genuinamente engraçadas e inteligentes é um talento que poucos possuem.

O primeiro ponto a ser considerado é que a verdadeira habilidade humorística se manifesta na capacidade de gerar riso sem recorrer à humilhação do outro. Grandes comediantes são aqueles que dominam a arte da observação e da sutileza, que conseguem enxergar as incongruências do mundo e transformá-las em piadas sem precisar explorar aspectos que reforcem opressões sociais. Nomes como Charlie Chaplin, que fez humor político sem palavras, e Chico Anysio, mestre da caracterização, demonstram que é possível fazer rir sem apelar para a ofensa.

A facilidade com que muitos recorrem à "zoeira" está diretamente ligada à preguiça criativa. O uso de estereótipos, por exemplo, é uma forma de humor que não exige grande elaboração. Quando um comediante se baseia na ideia de que "mulheres dirigem mal", "portugueses são burros" ou "gays são afeminados", ele não está exercendo criatividade, mas apenas reproduzindo clichês antigos. Além de ser um recurso ultrapassado, esse tipo de humor reforça preconceitos e estigmas, muitas vezes causando mais dano do que gargalhadas.

Outro aspecto importante é que o humor baseado na ridicularização alheia costuma ser usado como uma ferramenta de poder. Quando uma piada é feita para diminuir um grupo já marginalizado, ela não é apenas uma brincadeira, mas uma reafirmação da desigualdade. O humor tem uma história de ser utilizado tanto para questionar estruturas opressivas quanto para reforçá-las. A escolha do comediante determina de que lado ele está.

Um exemplo claro disso está na diferença entre um humorista que faz piadas sobre a classe política e um que faz piadas sobre minorias. No primeiro caso, há um questionamento do poder, algo que sempre foi papel da comédia, desde a Comédia Grega até os programas humorísticos modernos. No segundo caso, há apenas uma repetição de dinâmicas de opressão, transformando o humor em uma ferramenta de perpetuação da desigualdade.

A dificuldade de se fazer um humor inteligente está na exigência de pensar fora do lugar-comum. Grandes roteiristas e comediantes constroem piadas com base na ironia, na sátira e no absurdo, criando situações engraçadas sem precisar atacar indivíduos ou grupos específicos. Monty Python, por exemplo, revolucionou a comédia ao apostar no nonsense e na crítica às instituições, sem depender de humor depreciativo.

Além disso, a prática da "zoeira" muitas vezes é confundida com coragem ou irreverência, quando, na verdade, representa apenas a falta de criatividade. A verdadeira irreverência no humor está em desafiar normas, e não em reforçá-las. Fazer uma piada preconceituosa é fácil e já foi feito incontáveis vezes; criar algo novo e surpreendente é a verdadeira arte.

Não à toa, os melhores humoristas contemporâneos são aqueles que conseguiram se reinventar e fugir do humor baseado na degradação do outro. No stand-up, figuras como Hannah Gadsby e John Mulaney mostram que é possível criar shows inteiros sem recorrer a piadas ofensivas. No Brasil, Fábio Porchat e Tatá Werneck são exemplos de comediantes que sabem explorar situações cômicas sem cair na armadilha do humor preguiçoso.

Por fim, é importante lembrar que o humor, quando bem feito, tem um poder transformador. Ele pode expor contradições, fazer críticas sociais e promover reflexão, tudo isso enquanto diverte. Quando um comediante opta pelo caminho mais fácil da "zoeira" baseada na humilhação alheia, ele não está exercendo um talento verdadeiro, mas apenas reproduzindo padrões que já não têm espaço em uma sociedade que valoriza a criatividade e o respeito.

Em resumo, ser engraçado exige habilidade, e essa habilidade está na capacidade de criar humor original e inteligente. Qualquer um pode ofender, qualquer um pode zombar, mas poucos conseguem fazer rir sem recorrer a estereótipos ou ofensas. A diferença entre a "zoeira" e o verdadeiro humor está na criatividade, e é isso que separa os grandes humoristas dos meros provocadores. Você pode discordar, mas não diminui o fato de que eu tenho um posicionamento coerente sobre talento.