Você já sentiu aquela vontade avassaladora de mudar tudo na sua vida? De recomeçar do zero, talvez até de ser uma pessoa completamente diferente? É como se, em outra pele, com outra história, as coisas finalmente fizessem sentido — e a felicidade estivesse ao alcance das mãos. Essa sensação, embora comum, esconde uma armadilha emocional: a ilusão de que a vida do outro é sempre melhor que a nossa.
Vivemos em uma época em que a vitrine da felicidade está sempre iluminada. As redes sociais, as conversas casuais, os encontros breves… tudo parece refletir sucesso, equilíbrio e bem-estar. O emprego do outro é incrível, o relacionamento é digno de filme, os amigos são leais e divertidos, e não há sinal de frustração no ar. Mas será que isso é real?
A verdade é que, muitas vezes, o que vemos é apenas a superfície. As pessoas compartilham o que é leve, o que dá orgulho, o que pode ser admirado. Já as dores, as falhas e os conflitos internos costumam ser silenciados (guardados a sete chaves). Criamos uma cultura onde expor vulnerabilidade é visto como fraqueza, como sinal de fracasso. Admitir que não estamos bem soa quase como uma confissão de que não conseguimos "chegar lá", nesse tal lugar ideal onde todos parecem viver.
Mas o que é esse “lá”? Um espaço onde tudo é perfeito? Onde não há ansiedade, insegurança, tristeza ou solidão? Esse lugar, na prática, não existe — mas seguimos acreditando nele, alimentando a fantasia de que um dia tudo se alinhará magicamente. E, nesse processo, vamos nos afastando de nós mesmos, tentando performar uma estabilidade que não sentimos, sufocando nossa dor em silêncio.
O custo disso é alto. Reprimir nossas fragilidades nos torna mais isolados, mais distantes dos outros e até de quem realmente somos. Nos desconectamos da empatia, porque se não mostramos nossas próprias lutas, como vamos reconhecer ou acolher as dos outros? Esconder nossos problemas, fingir que está tudo sob controle o tempo todo, é como viver em um teatro onde o único espectador somos nós mesmos — e, mesmo assim, aplaudimos sem acreditar na peça.
É preciso coragem para dizer: “Eu não estou bem.” É preciso força para mostrar a parte que não está resolvida. E, mais do que isso, é libertador entender que ninguém tem a vida completamente em ordem, e está tudo bem com isso. A vida real é feita de altos e baixos, de conquistas e frustrações, de momentos de luz e de sombra.
Talvez o primeiro passo para a mudança verdadeira (aquela que não exige que a gente se torne outra pessoa, mas que nos convida a ser mais honestos com quem somos) seja justamente esse: deixar de fingir. Permitir-se ser vulnerável. Abrir espaço para o real, ainda que ele seja imperfeito.
Afinal, é na imperfeição que mora a autenticidade. E é nela que, aos poucos, podemos encontrar uma forma mais sincera e leve de viver.