Talvez a coisa mais estranha que possa ocorrer com a gente é quando pensamos que por sermos intolerantes com a mentira, que existe algo anormal com a gente. Em que momento mentir se tornou o novo normal? Quando é que ocorreu essa inversão? Eu devo me adaptar e começar a mentir, pedindo que as pessoas compreendam? Esse conflito aparece porque, cada vez mais, vemos pessoas tratando a verdade como algo opcional, como se fosse apenas um detalhe ajustável nas relações.
A mentira, no entanto, fere diretamente um ponto essencial em qualquer convivência: a prioridade. Priorizar alguém não significa apenas estar presente, mas também ser transparente, mesmo quando a verdade é desconfortável. Quem mente escolhe esconder, manipular ou enganar, e ao fazer isso comunica, mesmo sem palavras, que a pessoa enganada não é importante o suficiente para merecer clareza. É nesse ponto que a confiança começa a ruir, e com ela toda a ideia de cumplicidade.
O problema é que, em muitos círculos sociais, mentir virou sinônimo de praticidade. Evitar um conflito imediato, proteger uma imagem ou simplesmente seguir o fluxo fez da mentira um atalho. Só que atalhos, por mais rápidos que pareçam, quase sempre levam a destinos frágeis. Não é por acaso que vemos tantas relações esvaziarem-se ou chegarem ao fim: a banalização das verdades quebra o elo invisível que sustenta o afeto. Quem confia precisa acreditar, e quem mente impede que isso aconteça.
Corrigir essa distorção não significa voltar no tempo ou tentar resgatar padrões antigos de comportamento. Significa, sim, aprender a melhorar, mesmo que isso custe esforço. É necessário entender que a honestidade não é um peso, mas um presente que damos a quem escolhemos manter por perto. Ser sincero não elimina os conflitos, mas os torna mais humanos, mais justos, e principalmente, mais dignos de serem superados. A verdade pode incomodar, mas é ela que fortalece os vínculos.
Por isso, a saída é menos sobre adaptar-se ao “novo normal” da mentira e mais sobre relembrar que ainda existe valor em ser confiável. É uma escolha que exige prática, empatia e coragem. Afinal, quando optamos pela transparência, deixamos claro que o outro é prioridade e que a relação merece ser cultivada com cuidado. É nesse exercício que não apenas evitamos a perda de quem está ao nosso lado, mas também construímos algo que resiste às pressões do tempo e da rotina.
