A chuva caía pesada sobre São Paulo, transformando as ruas da Vila Mariana em rios improvisados. Bruno tamborilava os dedos no teclado, o brilho azulado do monitor refletindo em seus óculos. O escritório, um cubículo de vidro no décimo andar de um prédio na Avenida Paulista, parecia sufocá-lo. Linhas de código piscavam na tela, mas ele mal prestava atenção. Aos 27 anos, sentia que sua vida era só isso: um loop de prazos e relatórios que ninguém lia.
— Bruno, vai ficar até tarde de novo? — A voz veio de trás, rouca e carregada de cansaço.
Ele virou a cabeça. Era Márcio, o colega de equipe que sempre ficava para apagar as luzes. Márcio tinha uns 40 anos, cabelo grisalho bagunçado e uma mania de mascar chiclete que irritava Bruno nos dias ruins. Era o tipo de cara que aceitava a monotonia como destino.
— Não sei, Márcio. Talvez. Esse bug tá me matando — respondeu Bruno, esfregando os olhos.
— Deixa pra amanhã, cara. Ninguém vai morrer se o sistema travar mais uma vez — Márcio deu de ombros, jogando a mochila nas costas. — Até.
Bruno acenou sem entusiasmo, ouvindo os passos de Márcio se afastarem pelo corredor vazio. Ele ficou sozinho, o som da chuva batendo nas janelas misturado ao zumbido dos computadores. Abriu o celular por hábito, rolando o feed do Instagram. Fotos de viagens, festas, sorrisos perfeitos. Nada que parecesse real pra ele.
De repente, um trovão estremeceu o prédio, e as luzes piscaram antes de apagarem por completo. O monitor ficou preto, e o silêncio tomou conta, quebrado apenas pelo tamborilar da chuva. Bruno xingou baixo, tateando a gaveta da mesa. Encontrou um rádio de pilha velho, um traste que ele guardava desde a época da faculdade.
Ligou o aparelho, girando o dial em busca de alguma estação.
— Vamos ver se você ainda funciona — murmurou, mais pra si mesmo.
O chiado encheu o ar, entrecortado por vozes distorcidas. Até que uma melodia suave cortou o ruído. Era "Wind", do Akeboshi. Bruno parou, os dedos congelados no dial. Ele conhecia a música de algum lugar — talvez de Naruto, que assistia na adolescência —, mas agora ela parecia diferente, como se falasse com ele. A letra em inglês flutuava pelo escritório escuro: “Don’t try to live so wise, don’t cry ‘cause you’re so right…”
O rádio tremia levemente, como se o sinal viesse de longe. Bruno franziu a testa. Nenhuma estação de São Paulo tocava isso à meia-noite numa quarta-feira. Ele ajustou a antena, e a música ficou mais clara, quase insistente. Algo naquela melodia mexeu com ele, uma pontada de inquietação que não explicava.
— De onde tá vindo isso? — perguntou ao vazio, levantando-se da cadeira.
A chuva lá fora parecia responder, o vento uivando contra o vidro. Bruno pegou o rádio e o celular, a luz da tela iluminando seu rosto. Ele não sabia por quê, mas precisava descobrir. Guardou o aparelho no bolso da jaqueta, desligou o computador morto e desceu as escadas do prédio, o som de "Wind" ainda girando na sua cabeça.