Capítulo 1 - O Medo Silencioso

 A sala da psicóloga Beatriz tinha tons suaves, um aroma sutil de lavanda e uma grande janela que deixava a luz do fim de tarde entrar. Laura estava sentada no sofá de veludo azul, segurando uma xícara de chá que esfriava em suas mãos. Ela olhava para baixo, evitando o olhar acolhedor de Beatriz, que, como sempre, aguardava pacientemente que ela organizasse seus pensamentos.

— Eu sei que sou mãe dela — disse Laura, quebrando o silêncio. — Mas e se um dia ela não me enxergar assim?

Beatriz inclinou a cabeça levemente.

— O que faz você pensar nisso?

Laura suspirou, passando os dedos pelos cabelos castanhos presos em um coque frouxo.

— Maria Isabel está começando a perguntar mais sobre de onde veio. Outro dia, depois do banho, ela se olhou no espelho e disse: “Mamãe, eu tenho o seu nariz?” Eu congelei. Não soube o que responder.

— E o que você disse?

— Eu sorri e falei que não exatamente, mas que ela tinha o sorriso mais lindo que eu já vi.

Beatriz sorriu.

— Foi uma boa resposta.

— Mas foi um desvio. Eu sei que não posso fugir disso para sempre. Ela vai crescer, vai conhecer outras histórias, outras famílias. Um dia, talvez, ela pergunte quem é a “verdadeira mãe” dela.

Laura engoliu em seco, sentindo um nó apertar sua garganta.

— Eu morro de medo dessa pergunta, Beatriz. E se eu não for suficiente?

A psicóloga cruzou as pernas e apoiou o cotovelo no braço da poltrona, observando Laura com calma.

— Você se sente mãe dela?

— Com todo o meu coração — respondeu Laura, sem hesitar.

— Então, o que faria de você “insuficiente”?

Laura mordeu o lábio, pensativa.

— A sociedade tem essa ideia... como se mãe fosse só aquela que gera, aquela que dá à luz. E, às vezes, até eu me pego pensando nisso.

Beatriz assentiu.

— Eu entendo. O mundo ainda enxerga a maternidade sob uma lente biológica. Mas a realidade é outra. Você alimenta, cuida, nina, ensina... Está presente nos momentos mais simples e nos mais difíceis. Isso é ser mãe.

Laura sorriu, mas seu olhar permaneceu distante.

— Eu só queria que Maria Isabel nunca precisasse questionar isso.

— Mas talvez o questionamento seja parte do processo — disse Beatriz. — E não precisa ser uma coisa ruim. O importante é como você responde a isso. Como você a faz sentir.

Laura respirou fundo e assentiu devagar.

— Ela já começou a perguntar. E sei que não vai parar por aí.

— E isso é natural — tranquilizou Beatriz. — O que você precisa entender é que sua filha está absorvendo tudo o que você diz e faz. E, principalmente, o amor que você dá.

O silêncio se acomodou entre as duas por um momento, mas desta vez, sem peso.

Laura olhou pela janela e viu o céu tingido de laranja e lilás. Ainda havia incerteza em seu coração, mas, pela primeira vez em semanas, sentiu que não estava sozinha nesse medo.

Ela ainda tinha muitas perguntas, mas talvez fosse exatamente assim que a maternidade funcionava.