Capítulo 1 – O Peso de sentir

 O céu de Curitiba estava nublado, como quase sempre. A cidade parecia suspensa em silêncio naquela manhã de terça-feira, e o centro fervia com passos apressados, buzinas irritadas e gente demais carregando sacolas e pressa. Todo dia parece o fim do mundo. Gustavo estava sentado no chão, em frente ao Teatro Guaíra, o violão no colo, os dedos dedilhando sem pressa. Tocava mais por vício do que por necessidade, embora o dinheiro fosse sempre pouco. A melodia era melancólica, uma daquelas que ele compunha nas madrugadas em que o peito doía mais.

Augusto o observava de longe, encostado num poste, com os olhos meio perdidos e o coração cheio. Horas antes, tinha saído do plantão no hospital, como fazia nas últimas semanas, passara ali só pra vê-lo. Às vezes, trocavam palavras; outras, apenas olhares. Mas estavam juntos — do jeito torto que o Gustavo permitia. Artistas são complicados demais!

— Não é um relacionamento — Gustavo dissera dias antes, enquanto ajeitava o cabelo que por vezes quase escondia seus olhos.
— Então o que é? — Augusto perguntara, quase implorando por definição.
— A gente. Só... a gente.

Gustavo não sabia nomear o que sentia. Só sabia que sentia. E isso já era demais. Na sua cabeça, aquilo era bom na medida que estava, é como um remédio, se ele tomasse demais, deixaria de ser uma coisa boa para se tornar um veneno.

Bruno, amigo de Gustavo, apareceu do nada, com seu jeito leve e direto. Se sentou ao lado do amigo, jogando uma garrafa d’água em seu colo.

— Tu tá branco, Gus. Nem sol, nem afeto. Vai morrer assim, hein? Tem que reagir.

Gustavo sorriu, cansado.

— Vai começar o sermão?

— Não é sermão. É constatação. Tu já tá vivendo esse amor, Gus. Só falta coragem pra chamar de teu. Eu sei que você vê o Augusto todos os dias te observando, você gosta disso.

— Eu só não quero me enganar de novo — murmurou.

Bruno suspirou.

— Amor não é garantia. É escolha. E tu tem escolhido correr. Onde você acha que vai chegar desse teu jeito de amar?

Do outro lado da rua, na praça, Aline observava os dois. Fingiu estar esperando o ônibus, mas os olhos estavam fincados em Gustavo. Ele ria com Bruno, o rosto um pouco mais leve do que momentos antes. Aquilo doía nela. Uma dor muda, escondida, mas presente. Aline queria chegar, mas algo a segurava.

Ela ajeitou a bolsa no ombro e atravessou a rua. Passou por Gustavo como quem não o via, mas fez questão de falar com Bruno.

— E aí, sumido. Ainda empurrando o Gustavo pra fazer burrada?

Bruno arqueou a sobrancelha, com aquele deboche afiado de sempre.

— Melhor empurrar pro amor do que pro recalque, né?

Ela forçou um sorriso, olhou Gustavo de relance e se foi.

— Isso aí vai dar ruim — murmurou Bruno, assim que ela sumiu na multidão.

— Já tá dando — respondeu Gustavo, baixando o olhar pro violão.

Aline sabia que Bruno queria ver Gustavo e Augusto juntos e isso a deixava frustrada, com raiva. Ela não era homofóbica, mas não é porque o grande amor da sua vida era bissexual que ela aceitaria o fato de Gustavo namorar outro homem.

Nojento! Nojento! Nojento! Te odeio Bruno! Repetia em seus pensamentos.


O céu escureceu mais um pouco. Parecia que ia chover. Gustavo continuou tocando, ele apreciava ver o sorriso dos outros e não na quantia de dinheiro iria ganhar naquele momento. Bruno até tentava mudar os pensamentos do amigo, a prestação do apartamento precisava ser paga, mas Gustavo parecia estar acomodado em um nível assustador. Será que aquilo era vida? Para o amigo, ele apenas estava existindo.

Augusto já havia ido embora. Mas antes de sumir na esquina, ainda olhou pra trás, como quem espera um gesto, uma palavra, qualquer coisa. Não teve. Augusto não desejava nada de ruim para seu amor, gostava de ficar olhando para ele e o apreciava como o grande artista que ele era. 

Gustavo nem percebeu. Estava com os olhos fechados, perdido na música, lutando contra ele mesmo.

E perdendo.