Capítulo 1: O ponto de partida


CAPÍTULO 1


 A noite em São Paulo tinha um cheiro de asfalto quente e garoa. Heron e Tadeu estavam sentados à mesa de um boteco na Rua Augusta, comendo pastéis de feira e bebendo uma cerveja gelada. A conversa, como sempre, girava em torno do futuro, mas, para variar, o papo de “o que a gente vai ser quando crescer?” estava mais pesado do que de costume. Heron, com os seus 23 anos, parecia um cara tranquilo e de bem com a vida, mas Tadeu, o seu melhor amigo, sabia que por trás do sorriso havia uma inquietude profunda.

— E aí, cara? Mais um dia? — Tadeu perguntou, mordendo um pedaço do seu pastel de carne, a voz carregada de um cansaço que os dois compartilhavam.

Heron deu um gole na cerveja, o olhar distante, fixo no movimento frenético da rua.

— Não. Não mais um dia.

Tadeu o encarou, curioso. Aquela resposta não era típica de Heron.

— Como assim?

— Eu estou cansado, Tadeu. Cansado de trabalhar em bico, de apertar o cinto para pagar as contas, de ver a vida passar e não fazer nada. A gente tem que fazer algo. Algo grande.

A seriedade na voz de Heron fez com que Tadeu largasse o pastel no prato. Ele nunca tinha visto o amigo tão determinado. Heron, além de ser forte e bonito, sempre foi o tipo de cara que enxergava o mundo de uma forma diferente. Um visionário. E, naquele momento, era como se uma lâmpada tivesse se acendido em sua mente.

Heron inclinou-se na mesa, o tom de voz baixando, quase um sussurro.

— Você já ouviu falar na Ocean Blue?

Tadeu franziu a testa.

— A joia? Aquela que estava em Valência, na Espanha, e agora está no Brasil? Li alguma coisa sobre isso. Dizem que é uma das joias mais valiosas do mundo. Por quê?

— Porque eu vou roubá-la.

O silêncio na mesa foi pesado, interrompido apenas pelo barulho dos carros. Tadeu soltou uma risada, achando que era uma brincadeira.

— Ah, tá. Boa, Heron. E eu sou o Batman.

— Não estou brincando, Tadeu. É a chance da nossa vida. A joia está no MASP.

A menção do Museu de Arte de São Paulo fez o sangue de Tadeu gelar. O prédio, com sua arquitetura icônica e de vidro, era um símbolo da cidade, e a segurança ali era de ponta.

— Você está maluco? Isso é impossível. O MASP é um dos lugares mais seguros de São Paulo.

— Impossível é uma palavra que as pessoas usam para se conformar com a vida que elas não querem. Eu já estudei tudo. A arquitetura, o sistema de segurança, as rotas de vigilância. A gente consegue. Eu tenho um plano.

A precisão com que Heron falava, a paixão em seus olhos, fez com que a incredulidade de Tadeu começasse a dar lugar à fascinação. Ele sabia que, quando Heron se dedicava a algo, não havia volta. Ele era inteligente, e isso era mais do que evidente em cada palavra que saía de sua boca.

— Mas... como? Onde você aprendeu a fazer essas coisas?

Heron deu um sorriso de canto.

— Não precisa de escola para ser esperto, Tadeu. É só questão de observar, de planejar, de pensar diferente. A gente não vai entrar pela porta da frente com uma arma na mão. Vai ser como xadrez, cada movimento pensado, calculado.

Tadeu encarou o amigo, o brilho nos olhos dele era contagiante. Ele sentiu um calor no peito. Não era apenas sobre dinheiro. Era sobre a ambição de Heron, sobre a sua capacidade de sonhar e de lutar por algo maior. O Tadeu sabia que, se houvesse uma chance de algo dar certo, seria com Heron no comando. Ele era mais do que um amigo, era um irmão. E a lealdade que sentia por ele era mais forte do que qualquer medo.

— E qual é o seu plano? — Tadeu perguntou, com a voz firme. Ele já não estava mais cético. Estava dentro.

Heron sorriu, um sorriso largo e vitorioso. Ele se recostou na cadeira, o brilho nos olhos se intensificando.

— É por isso que você é meu melhor amigo. Sabia que você ia acreditar em mim.

Eles ficaram ali, no meio daquela noite agitada de São Paulo, mas, para eles, o mundo havia parado. A conversa que se seguiu não era sobre um roubo, mas sobre a construção de um futuro. Um futuro que, finalmente, eles teriam nas próprias mãos.