Gustavo empurrou a porta do apartamento com o ombro, as chaves tilintando em sua mão. O som ecoou pelo corredor estreito e vazio, e ele percebeu, mais uma vez, o silêncio que tomava conta de tudo. A mochila pesada escorregou de seu ombro, caindo com um baque suave no chão de madeira. Ele ficou ali por alguns segundos, parado, encarando a sala.
O sofá gasto estava no mesmo lugar de sempre, a TV desligada. A janela estava entreaberta, deixando a brisa fresca da tarde entrar, movimentando levemente as cortinas. O cheiro de comida feita horas atrás ainda pairava no ar. Gustavo suspirou. Aquela quietude constante era uma presença incômoda, como se houvesse algo errado, mas que ele nunca conseguia identificar.
— Mãe? — ele chamou, sabendo que não obteria resposta.
A mãe costumava chegar tarde do trabalho. Depois de um longo dia, ela trazia um cansaço que se refletia em seus olhos, que quase sempre evitavam os dele. Nos últimos meses, Gustavo notava como a distância entre eles crescia, mesmo morando sob o mesmo teto. Talvez fosse porque ela também não sabia lidar com o que não diziam em voz alta.
Ele chutou a mochila para o lado e se jogou no sofá. Pegou o celular, rolando a tela sem prestar muita atenção, apenas para ocupar as mãos. Notícias sobre amigos, piadas e vídeos curtos apareciam, mas nada realmente prendia sua atenção.
Por fim, ele largou o celular na mesa e olhou para o teto.
A ausência de som era quase sufocante. Lembrava-se vagamente de quando a casa era diferente, de quando seu pai ainda estava ali. Sérgio costumava chegar tarde também, mas sempre trazia consigo o barulho: a porta batendo, o tilintar de chaves, risadas, música. O apartamento era cheio de sons, cheios de vida. Agora, restava só o eco desses dias.
Gustavo fechou os olhos, tentando forçar a memória a voltar, mas não conseguia lembrar claramente. O rosto do pai parecia se desfazer em seu pensamento, como uma fotografia envelhecida que, com o tempo, perdia suas formas.
— Por que ele foi embora? — Gustavo sussurrou para si mesmo, uma pergunta que o atormentava desde sempre, mas que ninguém parecia disposto a responder.
O som da chave na fechadura interrompeu seus pensamentos. Adriana entrou apressada, equilibrando uma sacola de mercado e a bolsa no ombro.
— Oi, Gustavo — ela disse, colocando as coisas sobre a mesa da cozinha. Não havia calor na voz, apenas o costumeiro cansaço.
— Oi — ele respondeu, olhando para ela de relance, antes de se virar para a TV, que ele havia ligado por hábito, embora o volume estivesse baixo.
Ela começou a tirar as coisas da sacola em silêncio. Gustavo a observou de soslaio. Queria perguntar sobre seu pai, sobre porque ele nunca ligava, nunca voltava. Queria saber se ela também sentia aquela mesma ausência, aquele vazio que parecia crescer a cada dia que passava.
Mas as palavras ficaram presas em sua garganta, como sempre.
Adriana pegou uma panela e começou a preparar algo para o jantar. Gustavo sentiu o cheiro de alho refogando, e isso trouxe uma memória inesperada de uma noite distante, quando Sérgio havia feito o mesmo prato.
Ele quis perguntar à mãe se ela também lembrava, mas, em vez disso, levantou-se lentamente e foi até a cozinha.
— Precisa de ajuda? — perguntou, com a voz baixa.
Adriana olhou para ele surpresa, mas sorriu, um sorriso fraco.
— Se quiser cortar os tomates… — respondeu, estendendo a tábua para ele.
Gustavo assentiu e pegou a faca. Ficaram em silêncio novamente, mas dessa vez o som das lâminas cortando os vegetais e o sutil chiado da frigideira preenchiam o ar, como uma tentativa de quebrar o vazio que sempre pairava sobre eles.
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