Capítulo 1: O Sonho no Campo de Terra



 O sol já estava alto quando Chris, descalço e com os pés cobertos de poeira, ajeitou a bola velha no centro do campo de terra batida. O campo não tinha grama, apenas buracos e pedaços de lixo que o vento trazia. Mas, para ele, aquilo era o Maracanã. Ali, ele era um craque, um camisa 10 com a missão de carregar o time nas costas.

— Passa a bola, Chris! — gritou João, já posicionado perto de uma das traves improvisadas com dois pedaços de madeira.

João era seu parceiro inseparável, tanto nos sonhos quanto na vida. Também descalço, também pobre, também com o mesmo desejo ardente de sair daquele lugar. Os dois dividiam a mesma visão: usar o futebol como escape da dura realidade da favela. Eram inseparáveis no campo e fora dele.

Chris chutou a bola, que foi até João com precisão. Eles já se entendiam só com o olhar. A cada passe, a cada drible, a cada chute, os dois se imaginavam em um estádio lotado, com os gritos da torcida ecoando. Mas, no lugar dos gritos de uma torcida vibrante, o que ecoava, às vezes, era o som de tiros à distância.

— Tiroteio de novo? — murmurou João, olhando para o morro mais acima, onde o som vinha.

Chris abaixou a cabeça, apertando o punho em volta da bola. O futebol era sua fuga, mas nem mesmo ali ele conseguia escapar completamente.

— Esquece, João. Finge que é a torcida — disse Chris, tentando voltar ao jogo.

João riu. Ele sabia que Chris sempre tinha uma resposta para afastar a realidade. Os dois voltaram a correr atrás da bola, ignorando o mundo ao redor.

A cada lance, Chris se via mais distante das ruas estreitas e escuras da favela. Ali, no campo, ele era invencível. Ele sabia que tinha algo especial, um talento que muitos não tinham. Seu controle de bola, sua velocidade, o jeito como conseguia driblar dois, três, até quatro adversários como se fosse fácil. Seu corpo magro e ágil parecia flutuar sobre a terra dura, e ele se perdia naquela sensação de liberdade.

— Vai, João! Corre! — Chris lançou a bola com um passe longo, perfeito.

João correu com toda a força e chutou. A bola balançou a rede improvisada, que nada mais era do que um pedaço de tecido amarrado entre dois postes. Eles comemoraram como se fosse um gol em uma final de Copa do Mundo. Era assim que eles sonhavam, com a intensidade de quem sabe que a vida, ali fora, pode ser muito mais dura do que um jogo.

— Um dia a gente vai jogar no estádio de verdade, você vai ver — disse Chris, ofegante, mas sorrindo.

João assentiu, mas o brilho em seus olhos estava começando a desaparecer. Ele sabia que sair da favela era mais complicado do que apenas sonhar. A cada semana, a realidade se impunha mais sobre eles.

— Será que a gente consegue mesmo, Chris? — João perguntou, baixinho, quase como se não quisesse ouvir a resposta.

Chris deu um leve tapa nas costas do amigo, tentando transmitir sua confiança.

— Claro que consegue! A gente tem que acreditar. Se não acreditar, quem vai?

Antes que pudessem continuar a conversa, mais tiros ecoaram pelo ar, agora mais próximos. O clima leve e despreocupado do jogo se desfez instantaneamente. As pessoas ao redor começaram a se dispersar, correndo para suas casas ou se abrigando atrás de muros. Era assim quase todos os dias.

Chris olhou para o céu, respirou fundo e fechou os olhos por um momento. Às vezes, parecia impossível escapar daquela vida. Mas ele tinha um sonho, e enquanto tivesse o futebol, ainda tinha esperança.

— Amanhã a gente joga mais, João — disse ele, pegando a bola e saindo devagar em direção ao barraco onde morava.

Mesmo com os tiros, com o medo e com as incertezas, Chris sabia que voltaria ao campo no dia seguinte. Enquanto houvesse bola, enquanto houvesse terra sob seus pés e um parceiro ao seu lado, o sonho de ser jogador viveria dentro dele. O campo de terra batida era o lugar onde ele podia, por um breve instante, sentir que estava construindo algo maior, algo que um dia o levaria para longe daquele som de tiros que nunca parecia cessar.