Era uma tarde quente de maio, o tipo de calor que fazia o asfalto soltar aquele cheiro de borracha queimada e grudava a camiseta nas costas. Marcelo, um garoto de 15 anos, caminhava pelo centro da cidade com passos arrastados. O cabelo castanho, sempre bagunçado como se tivesse acabado de acordar, caía sobre os olhos, e o All Star preto, com o solado gasto e um rasgo na lateral, batia no chão em um ritmo desleixado. Ele enfiava as mãos nos bolsos da calça jeans larga, mexendo no MP4 que carregava — um modelo simples, com a tela riscada e os fones embolados no fio. O som nos ouvidos era baixo, quase um zumbido, enquanto ele tentava decidir se voltava pra casa ou esticava mais um pouco a volta.
Foi então que o mundo desacelerou. Perto de uma barraca cheia de bijuterias baratas e chaveiros coloridos, ele a viu. Uma menina de 18 anos, mais alta que ele, passou a poucos metros dali. O cabelo vermelho-escarlate, cortado em franjas tortas que quase escondiam os olhos, parecia brilhar sob o sol da tarde. Piercings reluziam como pequenos faróis: um no nariz, outro na sobrancelha arqueada, e pelo menos três nas orelhas, pendurados em argolas prateadas que tilintavam a cada passo. Ela vestia uma camiseta preta rasgada nas mangas, com estampa desbotada que Marcelo não conseguiu decifrar, e uma calça xadrez preta e cinza, larga nas pernas, com correntes penduradas que balançavam enquanto ela andava. Uma mochila surrada, coberta de patches costurados à mão, repousava nas costas dela, balançando com um peso que parecia carregar mais do que livros.
Ela parou na barraca, apontando para algo com um gesto displicente. O vendedor, um homem de boné amassado e pele queimada de sol, entregou a ela um cordão de couro com um pingente qualquer. Marcelo ficou parado, a poucos passos dali, sentindo o coração martelar no peito como se quisesse pular pra fora. Ele abriu a boca, mas nada saiu — nem um "oi", nem um som. Ela nem olhou na direção dele, embolsou o cordão e seguiu andando, o cabelo vermelho sumindo entre as pessoas que lotavam a calçada. Marcelo sabia que já a tinha visto antes, nos corredores barulhentos do Santa Cruz, provavelmente uma das meninas do terceirão que sempre pareciam viver num mundo à parte. Mas era só isso: um rosto sem nome, uma figura que agora se gravava na mente dele como um filme em câmera lenta.
Mais tarde, em casa, o ventilador zumbia na sala, jogando um ar morno que mal aliviava o calor. Marcelo largou a mochila no chão, chutando-a pra debaixo do sofá, e ligou o computador da família. O barulho do modem conectando encheu o silêncio enquanto ele se jogava na cadeira giratória, que rangeu sob o peso. Abriu o Fotolog, tamborilando os dedos no teclado enquanto pensava. Pegou a webcam barata, aquela que sempre deixava as fotos com um tom meio amarelado, e tirou uma selfie desajeitada — o rosto meio torto, o cabelo caindo nos olhos, um sorriso que não sabia se era de verdade. Digitou a legenda devagar: "Dia estranho / Às vezes, você só sente / Beijo pra quem é de verdade". Clicou em "postar" e ficou olhando a tela carregar, o cursor piscando como se zombasse da lentidão.
Deitado no sofá depois, com as pernas penduradas no braço do móvel, ele encarava o teto descascado. A imagem dela voltava sem permissão: o vermelho do cabelo, o brilho dos piercings, o jeito de quem não se importava com nada. Imaginou os dois sentados num banco qualquer, trocando CDs ou falando sobre coisas idiotas que só adolescentes entendem. Era um devaneio bobo, ele sabia, mas o coração acelerava mesmo assim. Aos 15 anos, parecia que um olhar — ou a falta dele — podia virar o mundo de cabeça pra baixo.
