O motofrete não surgiu como uma profissão planejada, mas como resposta direta ao caos. Nas grandes cidades brasileiras, especialmente a partir dos anos 1990, a motocicleta passou a ocupar um papel estratégico na tentativa de vencer o trânsito cada vez mais paralisado. Com a precarização das relações de trabalho, o desemprego crescente e o inchaço urbano, milhares de brasileiros encontraram no guidão uma forma de sobrevivência.
A profissão ganhou força em São Paulo, onde os primeiros registros informais de entregadores sobre duas rodas aparecem já no fim da década de 1980. Naquela época, o serviço era feito quase exclusivamente por mensageiros contratados por empresas de contabilidade, escritórios de advocacia e cartórios. O termo “motoboy” ainda não era comum — nem mesmo o capacete era obrigatório.
Com o tempo, o número de motocicletas nas ruas aumentou de maneira vertiginosa. Entre 1998 e 2010, o número de motos em circulação no Brasil triplicou. Em 2023, o país já contava com mais de 32 milhões de motos registradas, segundo dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). Muitas dessas são operadas diariamente por profissionais que atuam como entregadores, seja de documentos, alimentos ou encomendas.
A profissionalização do setor, no entanto, veio lentamente. Apenas em 2009 foi sancionada a Lei Federal nº 12.009, que regulamentou a atividade dos motofretistas e mototaxistas, exigindo cursos específicos, uso de equipamentos de proteção e regularização das motocicletas. Mesmo com a lei, a informalidade ainda predomina: segundo estimativas da Rider’s Rights Brasil, cerca de 70% dos motoboys do país ainda trabalham sem vínculo formal.
A expansão da profissão está diretamente ligada às desigualdades sociais. A moto, além de ser um veículo mais barato que o carro, tornou-se um símbolo de independência financeira para uma parcela da população excluída do mercado de trabalho tradicional. A faixa etária predominante entre os motoboys é de 18 a 35 anos, com uma maioria significativa de homens negros e de baixa renda.
Levantamentos da Fundação Seade (2022) revelam que, no estado de São Paulo, o número de entregadores cresceu 165% nos últimos dez anos. No Nordeste, o crescimento é ainda mais acelerado, puxado por capitais como Salvador, Recife e Fortaleza, onde os altos índices de desemprego formal empurraram milhares de jovens para os aplicativos de entrega.
Os principais motivos que levam alguém a trabalhar com entrega são a falta de oportunidade no emprego formal, o desejo por flexibilidade de horários e, em muitos casos, a urgência financeira. Muitos desses trabalhadores não têm reservas econômicas e passam a rodar para garantir o almoço do dia seguinte.
Com o crescimento do e-commerce, dos aplicativos de delivery e do consumo sob demanda, os motoboys tornaram-se uma peça-chave da economia urbana. O que antes era uma atividade marginalizada, hoje sustenta milhões de lares. No entanto, essa ascensão veio acompanhada de novos desafios: a precarização dos vínculos, o esgotamento físico e a insegurança viária — temas que os próximos capítulos irão aprofundar.