Rita chegou em São Paulo com duas malas, um casaco emprestado e a cabeça cheia de lembrança. Lá do Amazonas, deixou a mãe, o cheiro da chuva no barro e os banhos de rio com as primas. Veio por amor — ou por uma ideia de amor que ainda estava aprendendo a decifrar. Guilherme era gentil, carinhoso, tratava Rita com um cuidado quase ensaiado, mas bom. Só que vinha de um outro mundo. Um mundo de silêncio no café, toalha bordada e regra pra tudo.
No segundo sábado juntos, ele a levou pra conhecer a mãe. Dona Celina morava num apartamento grande, cheio de coisa branca e polida. O cheiro era forte, um perfume de lavanda misturado com vela cara. Rita respirou fundo na porta. Sabia que não ia ser fácil.
— Seja bem-vinda, Rita — disse Celina, com aquele sorriso que não chega nos olhos. — Entre, por favor. Tire os sapatos.
Rita tirou. Meias coloridas, um detalhe que já rendeu a primeira troca de olhares entre sogra e filho.
Na sala, tudo era brilhante. Copo em cima de porta-copo, quadro de paisagem europeia, um silêncio que fazia eco. Rita sentou na pontinha do sofá. Guilherme ficou em pé, meio nervoso.
— A senhora quer ajuda com alguma coisa na cozinha? — arriscou Rita.
— Não precisa, querida. Aqui, cada coisa tem seu lugar. E a funcionária já cuidou de tudo ontem — respondeu Celina, com doçura exagerada.
O almoço foi servido com pompa. Talher pra tudo. Guardanapo dobrado em formato de flor. Rita não sabia se podia pegar a farofa com colher ou com garfo, então esperou alguém se servir primeiro. Reparou que Celina olhava muito, com aquela calma que incomoda.
— Então, Rita... você trabalha com o quê mesmo?
— Eu sou auxiliar de escola. Cuido dos pequenos — respondeu, sorrindo. — Criança é bicho danado, mas eu gosto. Não é sempre que tem estrutura boa, mas a gente dá um jeito.
Celina assentiu, como quem escuta uma notícia ruim no jornal.
— Ah... que bonito. Imagino que seja... gratificante.
O silêncio veio grosso. Guilherme tentou mudar de assunto, falando sobre uma exposição de arte.
Rita escutava, mas o pensamento dela já estava longe. Lembrou da avó cortando jambu no quintal, do som dos pássaros no fim da tarde. Aquele lugar ali parecia outro planeta.
— Desculpe, dona Celina, mas posso saber onde fica o banheiro?
— Claro, querida. Corredor à direita. A segunda porta. E cuidado com o tapete persa, ele é delicado.
No espelho do lavabo, Rita se olhou. Soltou o cabelo, prendeu de novo. Lavou o rosto com água fria. Pensou em ir embora. Mas não foi. Ainda não.
Voltou pra mesa, firme. Pegou mais arroz, agradeceu o suco. Fingiu que não notou os olhares, os sorrisos falsos, as palavras cheias de nada.
Mais tarde, no carro, Guilherme comentou:
— Você foi ótima. Minha mãe gostou de você.
Rita olhou pela janela e respondeu, baixinho:
— Pois é. Tomara que ela tenha gostado mesmo... porque pareceu outra coisa.
E ficou por isso mesmo.
Mas Rita sabia. A maré tinha subido só um pouquinho. Ainda vinha mais.