Lara acordou com o som das ondas quebrando ao longe. Era um barulho que ela conhecia como a palma da própria mão. Aos 16 anos, a garota de Matinhos vivia para o mar. Sua prancha, uma companheira de anos, estava encostada na parede do quarto, cheia de arranhões que contavam histórias de manobras e tombos. Mas naquele dia, algo parecia diferente. O céu estava pesado, carregado de nuvens escuras que prometiam tormenta.
Ela desceu as escadas correndo, o short jeans já vestindo o corpo bronzeado pelo sol do litoral paranaense. Na cozinha, a mãe, dona Célia, mexia o café com uma cara que não escondia a preocupação.
— Lara, você não vai pro mar hoje, né? — perguntou, sem nem levantar os olhos da xícara.
— Mãe, eu preciso treinar. O campeonato tá chegando — respondeu Lara, pegando uma banana da fruteira.
— Campeonato, campeonato... E o vestibular? Você já decidiu o curso? Engenharia, medicina, algo que dê futuro?
Lara revirou os olhos. Era sempre a mesma conversa. Ela amava o surf, o vento no rosto, a liberdade de deslizar nas ondas. Mas, para os pais, aquilo era só um hobby. Um passatempo que não pagava contas.
— Eu vou resolver isso, mãe. Prometo — disse, já saindo pela porta com a prancha debaixo do braço.
Na praia, o vento estava forte, e as ondas, altas demais até para os mais experientes. Lara hesitou por um instante, mas o desejo de sentir o mar venceu. Ela entrou na água, remou com força e pegou a primeira onda. Por alguns segundos, foi perfeito: o equilíbrio, a adrenalina, o mundo sumindo ao seu redor. Até que o céu rugiu, e uma rajada de vento a derrubou. A prancha escapou, bateu nas pedras e, quando Lara conseguiu alcançá-la, viu o estrago: um buraco enorme no meio.
— Não, não, não! — gritou ela, ajoelhando na areia, as mãos segurando o que sobrou da prancha.
A tempestade caiu de vez, e Lara correu para casa, encharcada e com o coração apertado. Aquela prancha era tudo pra ela. Sem ela, o campeonato — e o sonho de competir para valer — parecia perdido.
No dia seguinte, a praia estava um caos. Galhos quebrados, redes de pesca rasgadas e um monte de lixo espalhado. Lara sentou na areia, olhando o mar com um vazio no peito. Foi quando Beto, seu melhor amigo, apareceu com a bicicleta enferrujada.
— E aí, Larinha? Tá com essa cara por quê? — perguntou ele, jogando a bike na areia.
— Minha prancha quebrou, Beto. Tô ferrada. Como eu vou pro campeonato agora?
Beto coçou a cabeça, pensativo, e então abriu um sorriso.
— E se a gente consertar? Ou, sei lá, fazer uma nova? Meu tio tem madeira na oficina, e a galera pode ajudar.
Lara franziu a testa, desconfiada.
— Você acha que dá tempo? Falta menos de um mês.
— Claro que dá! — insistiu Beto. — Chama a Ju, o Rafa, todo mundo. Matinhos é pequena, mas aqui a gente se vira.
A ideia acendeu uma faísca em Lara. Naquela tarde, ela reuniu os amigos no quintal de Beto. Ju trouxe cola e lixa, Rafa trouxe ferramentas do pai, e até a pequena Gabi, de 12 anos, apareceu com tinta spray que sobrou de um trabalho da escola. Enquanto o sol caía, eles trabalharam juntos: cortaram, lixaram, colaram. Riram das besteiras do Rafa e brigaram sobre o formato da prancha. No fim, o que saiu não era perfeito, mas era deles.
Dias depois, Lara testou a nova prancha. As ondas estavam calmas, e ela deslizou com uma leveza que não sentia há tempos. Não era só a prancha — era o que ela representava. Seus amigos estavam na areia, gritando e aplaudindo.
— Tá vendo, Larinha? — disse Beto, correndo pra perto dela quando ela saiu da água. — Você não precisa fazer tudo sozinha.
Lara sorriu, os olhos brilhando.
— É, Beto. Acho que o mar nunca foi só meu.
O campeonato ainda estava por vir, mas, pela primeira vez, Lara sentiu que não importava o resultado. Matinhos, com suas ondas e sua gente, já tinha lhe dado mais do que qualquer troféu.