Capítulo 1 – A Terra que sobrou

O mundo havia silenciado.

As cidades estavam em ruínas. Torres quebradas, ruas cobertas de poeira, e a ausência de qualquer som humano era mais ensurdecedora do que as explosões que vieram antes. Em algum lugar do que restou do estado de São Paulo, uma cidade média — antes cheia de vida — agora não passava de uma carcaça abandonada.

Nos esgotos sob os escombros, a resistência ainda respirava.

Antônio caminhava com passos firmes, mas o olhar cansado. Seus ombros, largos e curvados pelo tempo, carregavam mais do que sacolas de suprimentos — levavam o peso de todas as decisões que já precisou tomar desde o início da invasão.

— Está tudo certo na entrada sul? — perguntou ele, ao cruzar com Natália, que fazia guarda com uma escopeta apoiada no ombro.

— Nenhum sinal deles. Mas ouvi barulhos estranhos na tubulação oeste. Pode ser só água... ou pode ser mais um deles — respondeu ela, sem desviar os olhos do escuro adiante.

Antônio assentiu. Seguiu o caminho até o salão principal do abrigo improvisado. Um lugar malcheiroso, apertado, mas protegido. Gambiarras de luz alimentadas por baterias antigas mantinham o ambiente minimamente visível. Crianças dormiam amontoadas. Laura lia em voz baixa para um grupo de idosos. Milena cuidava de um homem com febre alta, enrolado em cobertores que cheiravam a mofo.

— Você precisa descansar, Antônio — disse Milena ao vê-lo se aproximar. — Já fazem três dias que você não fecha os olhos.

— Não posso descansar. Não depois do que vi — murmurou ele, com a voz baixa e grave.

Milena franziu a testa.

— O que foi?

Antônio tirou o pequeno aparelho de comunicação da mochila. Um rádio adaptado por JP, capaz de captar frequências alienígenas. Ele o ligou, e um chiado preencheu o abrigo. Depois de alguns segundos, uma voz robótica começou a falar.

“Unidade de controle ativo. Novo líder Delta identificado. Código de dominação: 775. Nome terrestre: Augusto Santos.”

Milena arregalou os olhos. Laura se levantou imediatamente. David, do canto da sala, murmurou um palavrão e chutou uma caixa vazia.

— Augusto? Seu filho? — sussurrou Milena, boquiaberta.

Antônio confirmou com um aceno lento.

— Eles o capturaram... e agora estão usando ele contra nós.

— Mas ele estava morto! Nós procuramos por semanas! — disse Laura, quase sem fôlego.

— Eles não o mataram. Implantaram o chip — respondeu Antônio. — E agora estão usando o cérebro dele pra liderar uma das divisões de reconhecimento. Meu filho... meu menino...

O silêncio caiu como um cobertor pesado. Todos sabiam o que significava estar "chipado". Não era só obediência. Era o fim da liberdade. Do pensamento. Era deixar de ser humano.

— Então o que vamos fazer? — perguntou David, quebrando o silêncio. — Se ele agora é um deles...

— Vamos tirá-lo de lá — disse Antônio, firme. — Eu não vou deixar o meu filho morrer duas vezes.

JP apareceu correndo, ofegante.

— Antônio! Consegui rastrear a fonte da transmissão. Não está longe. Uma base deles, montada no que sobrou da universidade estadual. Dá pra chegar em dois dias... se a gente for rápido.

— Dois dias sem sermos capturados? — ironizou Natália, voltando para o grupo. — Eles estão em toda parte. Se pisarmos errado, viramos os próximos da fila pra receber chip na espinha.

Antônio olhou em volta. O abrigo, os rostos famintos, os olhos cansados, o medo latente. Mas no fundo, bem no fundo, uma fagulha acendia.

— Eu sei o risco. Mas não posso abandonar o Augusto. Se tiver uma chance — qualquer chance — de trazê-lo de volta... então eu vou tentar. Quem quiser vir comigo, que prepare as mochilas. Quem ficar, cuide dos que não podem lutar.

Dona Cida, sentada num caixote com seu terço na mão, murmurou:

— O amor de um pai pode mover o mundo. Ou salvar o que restou dele.

Milena deu um passo à frente.

— Eu vou com você. Não por ele. Mas por você. Você salvou todos nós, Antônio. Agora é a nossa vez de te ajudar a salvar quem você ama.

David, JP, Laura e até mesmo Natália confirmaram com a cabeça. Em menos de cinco minutos, a pequena chama havia virado uma tocha. E em meio à escuridão da Terra devastada, algo começava a mudar.

Esperança.

— Amanhã, ao nascer do sol — disse Antônio. — Nós marchamos.

A Terra estava em ruínas. Mas não destruída.

Ainda não.