Capítulo 1: A Tradição de Sertão do Sol

Eu me lembro como se fosse ontem, aquele brilho no olhar de cada pessoa na praça, o coração aquecido pela fé, o clima de alegria que tomava conta de Sertão do Sol todos os anos, na véspera do Natal. Nossa cidade, pequena e cheia de encanto, sempre se preparava para a grande festa. Não era uma festa qualquer, era A festa, a encenação do nascimento de Jesus, que acontecia na praça principal. Eu e meus amigos, ainda crianças, nos arrumávamos com roupas simples, mas cheias de significado. Cada um de nós tinha um papel importante, e todos, sem exceção, esperavam ansiosos pelo grande evento.

Naqueles dias, a cidade parecia respirar Natal. A praça ficava iluminada com as luzes coloridas, o presépio era montado com tanto carinho, e cada ano trazia algo novo. As famílias se reuniam, conversavam, trocavam risadas e olhares de carinho. Era como se a magia estivesse no ar, unindo todos, de crianças a avós. Havia uma sensação de que, independentemente do que acontecesse no resto do ano, o Natal sempre traria a esperança de dias melhores.

Mas neste ano, algo estava diferente. Quando os ventos do sertão começaram a soprar com mais força, as primeiras nuvens começaram a sumir. Eu não sabia ao certo o que estava acontecendo, mas meus pais, que sempre me explicavam tudo, pareciam mais preocupados do que o normal. - Ana, filha, você já percebeu que esse ano a chuva não veio? - minha mãe perguntou uma tarde enquanto olhava o céu vazio. - É, mãe... acho que este vai ser um Natal bem diferente.

Na cidade, o clima de preocupação estava tomando conta. A seca, que no começo parecia algo distante, agora estava ali, bem na nossa frente. O campo estava começando a murchar, as plantações que alimentavam as famílias estavam secando, e os rios, que antes nos davam a água fresca e necessária, estavam se escondendo cada vez mais. O vento não trazia mais aquele frescor agradável da temporada de chuvas, mas uma aridez que parecia fazer o tempo parar.

As pessoas começaram a se afastar da praça, os ensaios para a encenação de Natal foram diminuindo, e uma tristeza começou a tomar conta de tudo. - Será que a gente vai conseguir fazer o Natal esse ano? – meu amigo João me perguntou com a expressão séria, como se estivesse tentando convencer a si mesmo. Eu não sabia o que responder. A falta de chuva e a preocupação com a comida começaram a ocupar os pensamentos de todos. A cidade estava afligida, e eu podia sentir isso no ar. Minha avó, que sempre tinha palavras de consolo, me disse com um olhar triste: - Natal não é sobre o que você ganha, mas sobre o que você compartilha. Lembre-se disso, minha filha.

Foi naquele momento, olhando para a praça vazia, que percebi que o espírito de Natal não estava nas luzes ou nos presentes. Algo estava nos unindo de uma forma silenciosa, mas poderosa, e eu sabia que precisávamos fazer algo. Porém, não era só a seca que estava apertando as cordas da nossa cidade, era a falta de fé, a falta de esperança.

Sertão do Sol parecia perder o brilho. Algo precisava ser feito. A tradição da encenação do Natal, que por tanto tempo trouxe sorrisos e calor aos nossos corações, agora enfrentava um desafio maior que a falta de recursos: o desânimo. E, mesmo assim, eu sentia que havia algo em mim dizendo que não podia deixar isso acontecer. A esperança estava ali, na praça, esperando para ser redescoberta.

Eu sabia que não seria fácil, mas estava determinada a lutar para que aquela noite mágica não fosse esquecida. O Natal, para mim, sempre foi mais que uma encenação. Era uma forma de lembrar ao mundo o quanto a fé e a união eram poderosas, mesmo nos tempos mais difíceis.

Postar um comentário

0 Comentários