O nascer do sol cortava o horizonte como uma lâmina alaranjada. Mas o céu, pesado e cinza, lembrava ao grupo que o fim ainda estava longe.
Antônio ajustava o coldre em silêncio. O rosto envelhecido em poucos meses, os olhos secos — ele não chorava mais. Não havia mais tempo para lágrimas.
— A entrada principal estará bloqueada — informou Dehr, com sua voz grave e calma. — Mas existe um túnel de drenagem. Foi por onde escapei, anos atrás.
JP assentiu, conectando os cabos finais ao protótipo alienígena adaptado.
— Quando conectarmos isso ao núcleo da torre, o sistema entrará em sobrecarga. Precisamos de apenas um minuto. Um minuto e tudo muda.
Rafael apertou a mão dele por baixo da mesa. Sem palavras. Eles sabiam o risco.
— E o Augusto? — perguntou Milena.
— Se ele estiver lá… vamos lidar com isso — disse Antônio, firme. — Eu vou lidar.
O túnel era apertado, molhado e escuro. Um cheiro metálico pairava no ar. À frente, Dehr liderava com passos silenciosos. O grupo seguiu, um por um, até emergirem em uma sala secundária dentro da torre.
Ali, ouviram vozes. Marchas. Passos programados.
— Dois minutos até o núcleo — sussurrou Laura, já empunhando a arma.
Mas quando atravessaram o corredor, ele estava ali.
Augusto.
Vestindo um uniforme escuro, ombreiras afiadas e olhos fundos. Mas vivos.
— Pai.
O mundo parou por um instante.
Antônio deu um passo à frente, a arma apontada para o chão.
— Filho. Sou eu. Você lembra?
Augusto franziu a testa. Era como ver um espelho rachado. Fragmentos de algo antigo tentando emergir.
— Você... deixou a porta do galinheiro aberta. Os cachorros correram a noite inteira... — murmurou ele, hesitante.
Milena engasgou com o choro. Rafael se emocionou. Antônio sorriu, pequeno.
— Isso mesmo. E você chorou quando o galo fugiu.
Augusto fechou os olhos. O corpo tremia. Por um segundo, pareceu levantar a arma. Mas ao abri-los novamente, ele já não era o mesmo.
— Eu… eu não consigo lutar contra isso sozinho.
Antônio se aproximou.
— Não precisa. Estou aqui.
Augusto caiu de joelhos, ofegante, lutando contra o controle mental. No fundo do corredor, alarmes começaram a soar.
— Eles sabem — gritou JP. — Vamos agora!
Laura e David dispararam contra dois soldados chipados que surgiram. Rafael correu até o terminal.
— Augusto, você conhece esse lugar. Onde está o núcleo?
— Terceiro nível. Elevador travado. Mas há escadas pelos dutos de ventilação.
O grupo se dividiu. Enquanto Laura, David e Milena seguravam a retaguarda, JP, Rafael, Dehr, Antônio e Augusto avançaram pelos túneis até o coração da torre.
O núcleo pulsava como um coração artificial. Luzes vermelhas giravam em ciclos rápidos. Era o centro de tudo. O lugar onde a mente dos chipados era mantida sob controle.
JP se posicionou. Conectou o dispositivo. A contagem regressiva começou.
— 60 segundos — anunciou.
Mas os inimigos chegaram antes.
Três soldados chipados surgiram, armados e impiedosos. Um deles disparou contra Rafael, que caiu ferido no ombro. JP gritou. Dehr avançou, abrindo caminho com uma arma de energia.
Foi então que Augusto se ergueu.
— Eu seguro eles. Vão! — berrou ele.
— Não! — gritou Antônio.
— Pai, me deixe fazer algo certo. Só uma vez.
E então ele correu para o meio dos soldados, desviando, derrubando dois deles. Um golpe o atingiu no peito. Mas ele não parou.
A contagem chegou ao fim.
3... 2... 1...
Um clarão se espalhou por todo o ambiente. O núcleo entrou em colapso. A torre tremeu.
Lá fora, milhares de pessoas caíram de joelhos. Os chips em suas nucas brilharam — e se apagaram.
Laura viu o momento exato em que os olhos do inimigo à sua frente mudaram. De ferozes para confusos. Ele deixou cair a arma.
— Onde… onde eu estou?
Horas depois, entre escombros e fumaça, o grupo se reuniu do lado de fora da torre, agora destruída. Milhares de libertos caminhavam pelo campo, desorientados. A humanidade respirava de novo.
Mas Augusto não estava ali.
Antônio o encontrou nos destroços, ainda vivo, mas desacordado.
— Ele salvou a gente — disse Rafael, ajoelhado ao lado do corpo.
Antônio apertou a mão do filho.
— Você voltou. E agora, a gente vai te trazer de volta por inteiro.
Dehr olhou para o céu, agora tingido de um azul acinzentado.
— A guerra ainda não acabou. Mas agora, vocês têm uma chance real.
JP olhou ao redor, os olhos marejados, mas com um leve sorriso.
— É só o começo.
Milena tocou o ombro de Laura.
— Estamos começando a recuperar a Terra.
Laura respirou fundo, pegando um transmissor.
— Aos que ainda resistem... a torre caiu. Os chips caíram. Vocês estão livres. E não estão sozinhos.
A voz dela ecoou pelos rádios do mundo. E mesmo entre os destroços, entre os corpos e as ruínas, algo novo nascia.
Esperança.
