Capítulo 12: O Sacrifício

 O temporal rugia ao redor da jangada, as ondas negras batendo contra as tábuas como punhos furiosos, cada golpe ameaçando despedaçar o que restava da frágil estrutura. A chuva caía em cortinas densas, o vento uivando pelos buracos da lona rasgada, enquanto relâmpagos rasgavam o céu, iluminando o mar em flashes de prata e sombra. Higor, Henrique, Ana e Luiz — um carpinteiro de 45 anos que se juntara ao grupo no cais, trazendo um machado e mãos calejadas — agarravam-se à jangada, os corpos encharcados e trêmulos de frio.

Higor segurava uma corda com as duas mãos, os dedos brancos de tanto apertar, a pele ardendo onde o sal da água entrava nos cortes. Seus olhos verdes, semicerrados contra a chuva, buscavam qualquer sinal da costa, mas tudo o que via era o caos das ondas e as formas indistintas dos infectados que ainda nadavam atrás deles, mais lentos agora, mas persistentes.

— Quanto tempo a gente aguenta assim? — gritou Henrique, a voz rouca enquanto remava com o galho quebrado, os braços tremendo de exaustão. A faca no cinto balançava com o movimento da jangada, o cabo molhado refletindo os relâmpagos.

— Até o temporal passar! — respondeu Ana, segurando a mochila contra o peito com uma mão e a borda da jangada com a outra. A água escorria pelo seu rosto, os cabelos pretos colados na testa, e seus dentes batiam de frio. — O mar tá nos ajudando a afastar eles, mas tá nos matando também!

Luiz, um homem robusto com barba grisalha e olhos fundos, estava na traseira da jangada, o machado preso entre as pernas enquanto tentava reforçar uma tábua solta com as mãos nuas. Ele se juntara ao grupo no último instante, fugindo da vila com nada além da roupa do corpo e uma determinação silenciosa. Agora, sua camisa rasgada balançava ao vento, e ele murmurava algo baixinho, talvez uma prece, talvez um xingamento.

— Esse vento tá piorando! — disse Luiz, a voz grave cortando o barulho da tempestade. Ele bateu a palma da mão na tábua, tentando encaixá-la, mas a madeira escorregou entre seus dedos. — Se não firmar essa droga, a gente afunda!

— Segura firme aí, Luiz! — gritou Higor, virando-se para ele. Ele soltou uma das cordas por um instante, estendendo a mão para ajudar, mas uma onda alta acertou a jangada naquele exato momento, jogando todos para o lado.

A estrutura balançou violentamente, a água invadindo em uma torrente gelada que encharcou suas pernas até os joelhos. Luiz perdeu o equilíbrio, o machado caindo no mar com um splash abafado. Ele agarrou a borda da jangada, os dedos escorregando na madeira molhada, o corpo pendurado metade dentro, metade fora.

— Me puxem! — berrou ele, os olhos arregalados de pânico enquanto chutava a água. — Tá vindo coisa atrás de mim!

Ana largou a mochila e se arrastou até ele, o corpo colado às tábuas para não ser jogada ao mar. Ela estendeu a mão, os dedos quase tocando os dele.

— Pega minha mão, Luiz! — gritou ela, a voz cortada pelo vento. — Rápido!

Mas antes que pudesse alcançá-lo, algo emergiu da água escura atrás dele — uma mão ossuda, as unhas quebradas cravando-se na perna de Luiz. Era um infectado, o rosto metade submerso, os olhos brancos brilhando na luz de um relâmpago. Outro apareceu ao lado, os dentes batendo enquanto puxava o carpinteiro para baixo.

— Solta ele! — berrou Henrique, largando o remo e pegando a faca. Ele rastejou até a borda, o corpo balançando com a jangada, e tentou acertar o infectado com a lâmina, mas uma onda o empurrou de volta, a faca cortando o ar.

Luiz gritou, um som gutural de dor e medo, enquanto era arrastado para fora da jangada. Suas mãos rasparam as tábuas, deixando marcas de sangue, antes de desaparecer nas ondas, os infectados o puxando para o fundo com uma força sobrenatural. O mar engoliu seu grito, deixando apenas o eco do splash e o silêncio pesado que se seguiu.

— Luiz! — exclamou Ana, ainda debruçada na borda, os braços tremendo enquanto olhava para a água. Ela bateu a mão na tábua, a frustração misturada ao horror. — Eles o pegaram... tão rápido!

Higor se arrastou até ela, o rosto pálido, o caderno encharcado no bolso agora um peso inútil. Ele anotou mentalmente: "Luiz caiu. Zumbis na água." Mas as palavras pareciam vazias diante do que acabara de ver.

— A água salgada — disse Ana, a voz trêmula enquanto se virava para os gêmeos. Ela enxugou o rosto, mas a chuva continuava a escorrer por suas bochechas. — O parasita... ele se espalha mais rápido nela. Por isso eles estão fortes agora. E se já tiver no mar aberto?

— No mar aberto? — repetiu Henrique, a faca ainda na mão, os olhos arregalados. Ele olhou para as ondas, o pânico subindo na voz. — Quer dizer que a gente tá levando essa praga com a gente?

— Não sei! — respondeu Ana, quase gritando para ser ouvida acima do vento. — Mas se tiver, o continente tá ferrado. A gente tem que avisar alguém!

Higor segurou a corda com mais força, o corpo encolhido contra a chuva, os dentes batendo enquanto tentava processar as palavras dela.

— Primeiro a gente tem que chegar lá — disse ele, a voz rouca. — Se afundarmos, não avisamos ninguém.

O temporal começou a ceder lentamente, os trovões se afastando como um animal que recua após o ataque. A chuva diminuiu para um chuvisco gelado, e o céu clareou no horizonte, um tom de cinza suave anunciando o amanhecer. Higor levantou a cabeça, os olhos ardendo de sal e cansaço, e viu algo ao longe — uma linha escura, firme, cortando o mar.— Olhem ali! — gritou ele, apontando com a mão trêmula. — É o continente!

Henrique largou o remo, o peito subindo e descendo rápido enquanto espiava pela névoa que se dissipava.

— É mesmo — disse ele, a voz carregada de alívio, mas também de dúvida. — A gente conseguiu... mas e agora?

Ana se arrastou até a frente da jangada, os olhos fixos na costa que crescia a cada onda que os empurrava.

— Agora a gente luta — respondeu ela, a voz baixa, mas firme. — Por Luiz, por Maria, por todos eles.

A jangada balançava, frágil, mas ainda inteira, carregando os três sobreviventes em direção ao continente. O mar ao redor estava silencioso agora, os infectados perdidos na escuridão atrás deles, mas a sombra do que Ana dissera pairava sobre todos — o parasita, o mal do mar, talvez já estivesse além da ilha, esperando para emergir novamente.