A sala de interrogatório parecia encolher com o eco das explosões distantes, o ar carregado de tensão e o cheiro metálico do concreto úmido. Higor, Henrique e Ana estavam sentados em cadeiras de metal, as algemas cortando a pele enquanto o Coronel Vargas caminhava lentamente ao redor da mesa, os passos das botas ecoando como um relógio marcando o fim. A pasta confidencial ainda estava aberta, os papéis espalhados como provas de um crime que ninguém assumiria.
— Vocês têm duas escolhas — disse Vargas, parando atrás deles. Ele cruzou os braços, o distintivo dourado refletindo a luz fria das fluorescentes. — Falam o que sabem, e morrem como testemunhas inconvenientes. Ou aceitam meu acordo: novas identidades, vidas limpas no continente, e silêncio absoluto sobre a Ilha das Brumas.
— Silêncio? — exclamou Henrique, levantando-se da cadeira até as algemas o puxarem de volta. O metal rangeu contra o chão, e ele bateu a mão na mesa, os olhos faiscando de raiva. — Vocês mataram minha família, destruíram tudo, e agora querem que eu finja que nada aconteceu?
— Exatamente — respondeu Vargas, o tom gélido. Ele pegou um controle remoto da mesa e apontou para uma tela na parede. — Vejam por si mesmos.
A tela acendeu com um chiado, mostrando imagens granuladas de drones sobrevoando a Ilha das Brumas. Explosões rasgavam o céu, bolas de fogo engolindo as casas de madeira, a praça, a igreja nova. A floresta queimava em tons de laranja e preto, o mar ao redor refletindo as chamas como um espelho quebrado. Em minutos, tudo virou cinzas, a ilha reduzida a um borrão fumegante na vastidão do oceano.
Ana virou o rosto, os olhos marejados enquanto segurava a mochila no colo, o documento rasgado ainda dentro.
— Vocês apagaram tudo — sussurrou ela, a voz quebrada. — As pessoas, as provas... como se nunca tivessem existido.
— Precisão é nosso lema — disse Vargas, desligando a tela com um clique. Ele se inclinou sobre a mesa, os olhos fixos nos três. — Vocês escaparam por sorte. Não testem essa sorte agora.
Higor permaneceu em silêncio, os dedos apertando o caderno no bolso. Ele sentia o peso das páginas úmidas contra a perna, cada anotação uma memória que Vargas queria apagar. Ele olhou para Henrique, que tremia de raiva, e para Ana, que enxugava uma lágrima com a manga rasgada.
— E se a gente recusar? — perguntou Higor, a voz calma, mas carregada de desafio. — O que impede a gente de contar pro mundo?
Vargas deu um sorriso seco, quase cruel.
— Nada impede — respondeu ele. — Exceto o fato de que ninguém vai acreditar. Sem provas, vocês são só uns loucos com uma história maluca. E se tentarem, bem... acidentes acontecem.
Henrique puxou as algemas novamente, o rosto vermelho enquanto se inclinava para a frente.
— Eu devia arrancar esse sorriso da sua cara — grunhiu ele. — Vocês não são melhores que os zumbis da ilha!
— Talvez não — disse Vargas, sem se abalar. — Mas eu sou o que sobrou pra vocês. Assinem o acordo ou não saem dessa sala vivos.
Ele jogou três papéis sobre a mesa, cada um com um espaço para assinatura, e uma caneta preta ao lado. Ana pegou a caneta primeiro, os dedos trêmulos enquanto assinava, o olhar baixo.
— Não temos escolha — murmurou ela, largando a caneta como se queimasse. — Mas isso não significa que eu vou esquecer.
Higor hesitou, o caderno queimando no bolso como um segredo vivo. Ele pegou a caneta, assinou rápido e empurrou o papel para Vargas, mantendo o caderno escondido. Ele não ia entregá-lo — não ainda.
Henrique foi o último. Ele pegou um pedaço de papel onde rabiscara anotações durante a fuga, rasgou-o em pedaços pequenos e jogou-os no chão, os olhos fixos em Vargas.
— Tá feliz agora? — perguntou ele, a voz carregada de desprezo enquanto assinava o acordo. — Pode me dar um nome novo, mas não vou esquecer quem eu sou.
Vargas recolheu os papéis, o sorriso frio voltando ao rosto.
— Boa escolha — disse ele, guardando a pasta. — Vocês serão levados amanhã. Novas vidas, novas histórias. A Ilha das Brumas nunca existiu. Entendido?
Os três assentiram, mas o peso do silêncio entre eles dizia o contrário. As explosões haviam parado, o horizonte agora quieto além da janela, mas o som das chamas ainda ecoava na mente de cada um — um fogo que Vargas podia apagar no mapa, mas não em suas almas.