Na véspera do Dia de Muertos, Rosa conseguiu que Pablo saísse da escuridão de sua oficina. Não por vontade dele, mas por uma súplica sincera.
— Ay, mijo, acompáñame. Tu abuela no querría que su tumba esté sola. Es nuestra obligación — disse Rosa.
Pablo a seguiu. O cemitério estava vibrante, iluminado por milhares de velas e repleto de risos e música suave. As famílias se reuniam em piqueniques coloridos sobre as lápides, celebrando a vida que havia sido. O cheiro de mole e mezcal pairava no ar. No entanto, em vez de conforto, a alegria coletiva apenas aprofundou o isolamento de Pablo. Ele se sentia um fantasma entre os vivos.
Ao lado do túmulo de Doña Elena, que estava coberto de cempasúchil trazido por Rosa, Pablo finalmente desabou. Sentou-se no chão frio, sentindo o peso da terra sobre o corpo de sua bisavó.
— ¡Abuela! ¡No sé qué hacer! — ele finalmente conseguiu desabafar, as lágrimas escorrendo por suas bochechas. — Me dejaste solo. Ya no sé qué color usar, ya no sé qué tallar. Nadie entiende mis alebrijes como tú. Todo está roto.
Ele permaneceu ali, chorando em silêncio enquanto Rosa limpava as pétalas secas. Depois de um longo tempo, a dor cedeu a uma sensação de vazio entorpecido.
Ao voltarem para casa, Pablo evitou a ofrenda e foi direto para a sua oficina. Seus olhos pousaram num pedaço de madeira inacabado: um dragão de três cabeças, o último alebrije que Doña Elena o havia incentivado a começar. Ela dizia que seria sua obra-prima.
Ele pegou suas ferramentas. Trabalhou a noite toda num frenesi melancólico, entalhando os detalhes das escamas e os dentes afiados, transformando a dor em madeira. Quando o trabalho de talha terminou, ele encarou a escultura, procurando as tintas. Mas onde ele encontraria as cores?
— ¿Cómo pinto algo tan vacío, abuela? ¡Dime! — ele gritou para o silêncio da noite. — No encuentro el azul, no encuentro el amarillo... Solo hay gris aquí.
Ele jogou os potes de tinta de volta na prateleira, exausto. O dragão era cinzento e sombrio, mas estava terminado.
Enquanto Pablo se afogava na escuridão, Isabel encarava a luz da rua, sentada na calçada ao lado de seu vocho vermelho e enferrujado. O mecânico acabara de lhe dar a notícia devastadora.
— Es el motor, muchacha. Es más grave de lo que pensé. Te va a costar casi el doble, ¿eh? — ele havia dito.
Isabel balançou a cabeça em desespero. Ela contou o dinheiro mais uma vez. Era impossível.
— ¡No puede ser! — ela murmurou, sentindo a esperança esvair-se. Pela primeira vez, ela considerou a ideia de desistir. Talvez devesse vender o vocho e usar o dinheiro para ajudar sua família.
Mas então, ela olhou para o carro velho, o assento do motorista desgastado onde seu avô se sentava, rindo e cantando. Ela se lembrou da última vez que o haviam levado para a procissão, cheios de cempasúchil e alegria.
— ¡No, no y no! ¡Te lo prometí, abuelo! — disse ela, batendo as mãos no volante. — ¡Vamos a ir a la procesión, de alguna manera vamos!
Isabel respirou fundo, tentando afastar as lágrimas. Ela não sabia como, mas não venderia o vocho. Ela teria que vender cada flor, cada pétala, se fosse preciso. O Dia de Muertos começaria em poucas horas, e ela precisava de um milagre.
