Capítulo 2: A Era de Ouro das Telenovelas (1970-1979)

 A década de 1970 marcou a ascensão definitiva da TV Globo como a principal força da televisão brasileira, e o coração dessa transformação pulsava nas telenovelas. O que começou como uma aposta tímida nos anos 1960 floresceu em um fenômeno cultural sem precedentes, consolidando a emissora como líder de audiência e criadora de um gênero que se tornaria marca registrada do Brasil. Foi nesse período que a Globo não apenas encontrou sua identidade, mas também a impôs ao imaginário nacional, transformando a teledramaturgia em um espelho da sociedade e em um motor de costumes.

O pontapé inicial dessa era veio com "Irmãos Coragem", exibida entre 1970 e 1971. Escrita por Janete Clair, a novela trouxe uma trama inovadora, ambientada no interior do Brasil, com personagens fortes como os irmãos João, Duda e Jerônimo Coragem. A história, que misturava aventura, romance e crítica social, alcançava índices de audiência impressionantes, frequentemente acima de 80%. Era o sinal de que a Globo havia descoberto uma fórmula poderosa: narrativas envolventes, produção caprichada e um elenco estelar, com nomes como Tarcísio Meira e Glória Menezes, que se tornariam ícones da emissora.

A consolidação do chamado "Padrão Globo de Qualidade" foi essencial nesse processo. Sob a direção de Daniel Filho e Boni — este último assumindo o comando geral da emissora em 1970 —, a Globo investiu em estúdios modernos, como os da Rua Lopes Quintas, e em tecnologia de ponta, como a transmissão em cores, iniciada em 1972 com o especial "A Vinheta de Natal". As novelas ganharam acabamento cinematográfico, com cenários realistas e figurinos detalhados, distanciando-se das produções mais rudimentares da concorrência. Esse salto técnico, aliado à visão criativa, atraiu talentos como Dias Gomes, que estreou "O Bem-Amado" em 1973, a primeira novela em cores da televisão brasileira e um marco por sua sátira política velada ao regime militar.

A parceria com autores geniais foi outro pilar dessa era dourada. Janete Clair, apelidada de "maga das novelas", escreveu sucessos como "Selva de Pedra" (1972), que parou o país com a revelação do assassino de Cristiano Vilhena no último capítulo, e "Pecado Capital" (1975), que abordava temas urbanos e existenciais. Dias Gomes, por sua vez, trouxe o realismo social com tramas como "Bandeira 2" (1971), enquanto novos nomes, como Gilberto Braga e Lauro César Muniz, começavam a despontar. Esses roteiros, muitas vezes inspirados em clássicos da literatura ou na realidade brasileira, conectavam-se profundamente com o público, que via na telinha reflexos de suas próprias alegrias e angústias.

A influência das telenovelas ia além do entretenimento. Elas ditavam moda — como os penteados de Sonia Braga em "Dancin’ Days" (1978) —, influenciavam o comércio — com o aumento das vendas de produtos mencionados nas tramas — e até alteravam hábitos sociais. Em 1976, "Escrava Isaura", adaptada por Gilberto Braga do romance de Bernardo Guimarães, tornou-se um fenômeno não só no Brasil, mas também no exterior, sendo exportada para países como China e União Soviética. A história da escrava branca interpretada por Lucélia Santos abriu as portas para o mercado internacional, provando que as novelas da Globo tinham apelo universal.

Enquanto a teledramaturgia dominava as noites, a Globo também fortalecia sua grade diurna. Novelas das seis e das sete, como "O Casarão" (1976) e "Locomotivas" (1977), criaram faixas horárias fixas que fidelizaram o público. A emissora soube explorar o potencial emocional das histórias, muitas vezes sincronizando tramas com eventos reais — como o luto nacional pela morte de Elis Regina em 1982, embora fora do recorte deste capítulo, reflete a habilidade da Globo em captar o zeitgeist.

O sucesso, porém, não veio sem controvérsias. A relação com o regime militar, que vigorava durante toda a década, era ambígua. Embora as novelas escapassem da censura mais pesada que recaía sobre o jornalismo, havia um cuidado para evitar temas excessivamente subversivos. "Roque Santeiro", escrita por Dias Gomes, foi censurada em 1975 por satirizar o poder, só indo ao ar uma década depois. Esse episódio revelou os limites impostos à criatividade, mas também a capacidade da Globo de negociar sua influência com o governo, garantindo concessões e apoio logístico.

Ao fim dos anos 1970, a Globo encerrava a década com "Dancin’ Days", de Gilberto Braga, um marco que simbolizou a modernidade e o glamour da classe média urbana. A novela, com suas discotecas e figurinos vibrantes, refletia um Brasil que, mesmo sob ditadura, sonhava com liberdade e prosperidade. Em 1979, a emissora já era líder absoluta de audiência, com uma rede de afiliadas que alcançava quase todo o território nacional. As concorrentes, como a Tupi, afundavam em crises financeiras — a Tupi fecharia as portas em 1980 —, enquanto a Globo se firmava como sinônimo de televisão no Brasil.

A era de ouro das telenovelas não foi apenas um triunfo comercial; foi a construção de uma linguagem cultural que atravessou fronteiras e gerações. Entre 1970 e 1979, a TV Globo transformou a novela em arte e em fenômeno social, pavimentando o caminho para seu domínio nas décadas seguintes. O império, agora sólido, estava pronto para novos voos.