Capítulo 2: Motivate your anger to make them all realize.

Bruno desceu do ônibus na Marginal Pinheiros, o rádio de pilha apertado contra o peito sob a jaqueta molhada. A chuva havia diminuído, mas o vento cortava o ar, carregando o cheiro de asfalto úmido e diesel. Ele passou a noite anterior mexendo no celular, usando um aplicativo de rastreamento de sinal que baixou às pressas. A frequência de "Wind" vinha de algum lugar na zona oeste, perto do Jaguaré. Não fazia sentido — nenhuma rádio FM transmitia tão baixo assim, e o sinal parecia pulsar, como se estivesse vivo.


Ele caminhou pelas ruas mal iluminadas, o capuz da jaqueta cobrindo metade do rosto. O rádio, agora no bolso, tocava a melodia em volume baixo, quase um sussurro. Passou por um posto de gasolina vazio e uma oficina fechada até avistar o destino: um galpão industrial abandonado, cercado por um muro coberto de grafites desbotados. As janelas quebradas refletiam o luar, e o vento assobiava por entre os buracos, como se o lugar respirasse.

— Isso não parece uma boa ideia — murmurou Bruno, hesitando na frente do portão enferrujado.

Ele tirou o celular do bolso e abriu o mapa. O ponto vermelho piscava exatamente ali. Antes que pudesse mudar de ideia, ouviu um barulho atrás de si — passos arrastados na calçada. Virou-se rápido, o coração acelerado.

— Quem tá aí? — perguntou, a voz tremendo um pouco.

Uma figura emergiu da penumbra, segurando uma lanterna pequena. Era uma mulher, uns 30 anos, com cabelo curto tingido de roxo e uma mochila nas costas. Ela usava botas surradas e uma jaqueta de couro que parecia ter visto dias melhores.

— Calma, não sou assaltante — disse ela, erguendo as mãos. — Meu nome é Clara. Você tá perdido ou só gosta de lugares esquisitos?

Ela deu risada e Bruno relaxou um pouco, mas manteve o rádio escondido.

— Eu... tô procurando uma coisa. E você, o que tá fazendo aqui?

Clara deu um sorriso torto, apontando a lanterna pro galpão.

— Sou fotógrafa. Gosto de registrar lugares abandonados. Esse aqui tá na minha lista há meses. Ouvi uns barulhos estranhos vindo daí hoje, achei que valia a pena checar.

— Barulhos? — Bruno franziu a testa, sentindo o rádio vibrar no bolso.

— É. Tipo uma música, mas não deu pra entender. Você ouviu também, né? — Clara o encarou, curiosa.

Ele hesitou, mas assentiu. Não tinha motivo pra mentir.

— Ouvi. Vim atrás disso.

Clara arqueou uma sobrancelha, mas não perguntou mais. Em vez disso, empurrou o portão, que rangeu alto ao abrir.

— Então vem comigo. Se for pra entrar num lugar creepy, melhor não ir sozinho.

Bruno seguiu, com o coração batendo forte e ao mesmo tempo admirando aquela mulher corajosa. O interior do galpão era um caos de sombras e ferrugem. Pilhas de caixas mofadas se amontoavam nos cantos, e o chão estava coberto de poeira e cacos de vidro. O vento entrava pelas janelas quebradas, carregando um frio que arrepiava a nuca. No fundo do espaço, um brilho fraco chamou sua atenção: um servidor antigo, ligado a um emaranhado de cabos, zumbia baixinho. A tela exibia linhas de código e, de repente, um vídeo começou a rodar.

— O que é isso? — Clara se aproximou, a lanterna tremendo na mão.

Na tela, Bruno viu a si mesmo. Não como estava agora, mas numa versão diferente: ele ria numa mesa de bar com amigos que nunca conheceu, segurava um troféu de algum hackathon que nunca venceu. A melodia de "Wind" saiu dos alto-falantes do servidor, clara e insistente, preenchendo o galpão.

— Isso... sou eu — disse Bruno, a voz quase sumindo. — Mas não é. Eu nunca fiz essas coisas.

Clara virou pra ele, os olhos arregalados.

— Tá me dizendo que esse treco tá mostrando sua vida? Tipo um reality show que você não lembra? Que loucura!

— Não sei — respondeu ele, aproximando-se do servidor. — Mas eu preciso entender.

Ele se sentou numa cadeira quebrada que encontrou ali perto e começou a mexer no teclado empoeirado. O sistema era velho, rodando um Linux que ele reconhecia da faculdade. Digitou comandos básicos, tentando acessar os arquivos. Clara ficou ao lado, iluminando a tela com a lanterna.

— Você é programador, né? — perguntou ela, quebrando o silêncio.

— Sou. Trabalho com sistemas chatos o dia todo — respondeu Bruno, sem tirar os olhos da tela.

— Então esse é o seu momento de brilhar. Se esse servidor tá te chamando, faz ele falar.

Bruno deu um meio sorriso, o primeiro em dias. Ele abriu um diretório chamado "Fragmentos". Dentro, havia dezenas de vídeos, todos com nomes como "Bruno_23", "Bruno_25". Clicou num deles. Era ele de novo, mais jovem, num quarto bagunçado, digitando furiosamente num laptop. A legenda dizia: "Projeto abandonado — 2021". Ele lembrou vagamente: um aplicativo que nunca terminou.

— Isso é louco — disse Clara, inclinando-se pra ver melhor. — Parece que alguém gravou seus ‘e se’.

Bruno não respondeu.

A melodia de "Wind" continuava, e o vento lá fora parecia acompanhar o ritmo. Ele sentiu um peso no peito, uma mistura de fascínio e medo. Aquilo não era só um servidor quebrado. Era um espelho de tudo que ele podia ter sido — e talvez ainda pudesse ser.

— Vamos descobrir o que mais tem aqui — disse ele, determinado, os dedos voando pelo teclado.

Clara assentiu, ajustando a mochila.

— Beleza. Mas se aparecer um fantasma, eu corro e você fica aqui.