CAPÍTULO 2
A primeira fase do nosso êxodo foi a mais paranoica. A cada quilômetro que nos afastava de São Paulo, o ar ficava mais denso, não pela poluição, mas pelo medo. Naqueles tempos, viajar pelo Brasil já era uma aventura burocrática; fazê-lo em fuga, com o risco de ser parado a qualquer momento em um "ponto de bloqueio", era um exercício de autodestruição lenta. Estávamos agora sob o império do AI-5, onde a presunção de culpa era a regra e a tortura, a ferramenta.
Decidimos que o Sul seria nossa porta de saída. O Paraguai ou a Argentina pareciam a rota natural para quem fugia da caça às bruxas instaurada pelo General Médici (que logo assumiria). Nosso planejamento era rudimentar: seguir a pista do asfalto, evitando as capitais, onde a repressão do DOI-CODI e da Polícia Política era mais organizada.
Utilizamos a chamada "rota de ônibus", pulando de cidade em cidade, sem nunca comprar passagem para o destino final. Dormíamos em pensões baratas, as chamadas "dormitórios", e líamos jornais antigos para tentar entender quem, de nossa rede de contatos, havia sido preso ou, pior, havia sumido. A clandestinidade exige uma paciência estoica e, sobretudo, uma capacidade de dissimulação que nunca soubemos que tínhamos. Éramos, por conveniência, primos que visitavam a família no interior, rapazes de boa família que tiravam uns dias de folga do batente. Tínhamos que parecer o mais comportados possível.
Em um posto de gasolina na estrada próxima de Curitiba, o coração quase me saltou pela boca. Um comboio militar fazia uma blitz de rotina. A visão dos uniformes e dos fuzis foi um choque elétrico. Adauto, que tinha o sangue mais quente e uma atitude mais impulsiva, começou a respirar fundo demais, chamando a atenção. Tive que agarrar seu braço com força, disfarçando o gesto como um apoio informal.
— Fique calmo, pelo amor de Deus, Adauto! Não nos olhe, olhe o chão — sussurrei com a boca quase colada ao seu ouvido. — Como poderei olhar o chão, Mathias, se estão nos roubando o horizonte? — retrucou ele, os olhos injetados, numa fúria silenciosa.
Passamos raspando. Essa experiência nos deu a certeza de que a sorte não duraria. A partir dali, nossa velocidade aumentou. Nosso único trunfo era a rede de apoio, pequena, mas resiliente. Foi em Foz do Iguaçu que encontramos a ajuda decisiva: um pequeno grupo, ligado ao movimento estudantil paranaense, que agia na mais absoluta clandestinidade.
Essa turma, corajosa e silenciosa, nos deu o contato certo no lado paraguaio e, mais importante, o dinheiro necessário para a travessia. Eles arriscavam a própria pele para garantir que dissidentes como nós conseguissem atravessar o rio sem serem interceptados pelos milicos ou pela Polícia Federal, que já atuava em coordenação com os países vizinhos. Foz era a nossa última chance antes do abismo.
