Cauã, 15 anos, acordava todos os dias com o som das galinhas no quintal e o cheiro de café fresco que sua avó preparava na cozinha de Arapoti. A cidade era pequena, daquelas onde todo mundo se conhece, e o calor do interior parecia grudar na pele. Ele não se importava. Passava as tardes no fundo de casa, mexendo em um monte de sucata que juntava desde criança: ventiladores quebrados, latas velhas, pedaços de fio. Para Cauã, aquilo não era lixo — era possibilidade.
Naquele verão, o calor estava insuportável. O ventilador da sala tinha pifado de vez, e a avó, dona Zilda, abanava o rosto com um jornal amassado.
— Meu Deus, esse calor tá me matando, Cauã — reclamou ela, jogando o jornal na mesa. — Não tem um jeito de consertar aquele treco?Cauã olhou para o ventilador quebrado, mas uma ideia maior acendeu na cabeça dele.— E se eu fizer um novo, vó? Um que nem precise de tomada?
Dona Zilda riu, balançando a cabeça.
— Você e essas suas invenções, menino. Vai lá, mas não bota fogo na casa!Ele correu pro quintal, pegou uma placa solar que achou no lixão da cidade e começou a trabalhar. Passou dias juntando peças, soldando fios com um ferro emprestado do vizinho e testando até os dedos ficarem cheios de calos. No fim, saiu um ventilador esquisito, meio torto, mas que girava só com a luz do sol. Quando mostrou pra avó, ela arregalou os olhos.
— Meu Deus do céu, funciona mesmo! — exclamou, sentindo o ventinho fraco, mas constante. — Guri, tu é um gênio, sabia?
Cauã sorriu, mas no fundo não acreditava muito nisso. Na escola, era diferente. Os colegas viviam zoando ele. “Cauã do ferro-velho”, chamavam, rindo das roupas surradas e das mãos sujas de graxa. Ele nunca respondia, só abaixava a cabeça e seguia pro canto dele.
Até que chegou a notícia da feira de ciências da escola. O tema era “soluções para o futuro”, e Cauã viu ali uma chance. Levou o ventilador solar, mesmo com o coração batendo forte de nervoso. Na hora de apresentar, os olhares debochados dos colegas o fizeram gaguejar.
— Isso... é um ventilador que usa energia solar — disse, a voz tremendo. — Pra ajudar em lugares quentes, tipo aqui.
Um dos garotos, o Léo, que sempre liderava as zoeiras, deu uma risada alta.
— Tá de brincadeira, né? Isso parece um traste que caiu do caminhão de lixo!
A sala riu junto, e Cauã sentiu o rosto queimar. Quis correr dali, mas a professora, dona Márcia, bateu na mesa.
— Silêncio! — ordenou ela. — Cauã, explica como funciona.
Ele respirou fundo e mostrou: ligou o ventilador ao sol que entrava pela janela, e as hélices começaram a girar. Não era perfeito, mas era real. Dona Márcia ficou impressionada e mandou o projeto pra uma feira regional em Castro. Cauã nem acreditou quando soube que tinha ganhado o terceiro lugar.
Na volta pra casa, com uma medalhinha barata no bolso, ele pedalava a bicicleta velha pelas ruas de Arapoti. Parou no lixão, onde tudo começou, e olhou pras pilhas de sucata. Pela primeira vez, não se sentiu pequeno.
Quando chegou em casa, dona Zilda estava na varanda, esperando.
— E aí, meu inventor? — perguntou ela, com um sorriso esperto.
— Ganhei terceiro lugar, vó — respondeu Cauã, mostrando a medalha.
— Terceiro? Isso é coisa de gênio! — disse ela, puxando ele pra um abraço apertado. — Arapoti ainda vai ouvir falar de você, viu?
Cauã riu, meio sem jeito. Talvez ela tivesse razão. Talvez aquelas sucatas fossem mesmo o começo de algo grande. E, pela primeira vez, ele começou a acreditar que o apelido “gênio” não era só brincadeira da avó.