O sol queimava mais forte do que nunca, e a seca chegou com uma força implacável. As ruas de Sertão do Sol, que antes estavam sempre cheias de risos e passos apressados, agora estavam desertas. O calor parecia pesar no ar, e o único som que se ouvia era o vento que passava por entre as casas e as árvores secas. Tudo estava mais silencioso, mais pesado, como se até a cidade estivesse cansada.
Eu andava pelas ruas, sentindo a poeira se acumulando nas solas dos meus pés, e não conseguia esconder a tristeza que tomava conta de mim. O sertão, que sempre foi meu lar, parecia agora um lugar distante, irreconhecível. As plantações da nossa família, que sempre foram a fonte de sustento, estavam secando rapidamente. O milho, o feijão, tudo murchava na terra esturricada. O que antes era verde, agora era um mar de tons dourados e marrons.
Lá no campo, os animais também estavam sofrendo. Os bois, vacas e cabras, que normalmente pastavam com ânimo nas pequenas áreas de terra, estavam magros e cansados, com os olhos tristes. Eu via o sofrimento nos rostos dos meus pais, mas não ousava perguntar sobre o que aconteceria com tudo aquilo. Eles já estavam acostumados a lutar contra a seca, mas agora parecia que a luta estava mais difícil. Eu podia ver a preocupação no olhar de minha mãe, e meu pai, normalmente tão forte, estava mais silencioso do que nunca.
Na cidade, o impacto da seca era visível. O comércio, que antes fervilhava com a movimentação de pessoas, estava vazio. As lojas estavam fechando mais cedo, as crianças brincavam menos na rua, e até os idosos, que antes passavam o tempo conversando na praça, estavam agora dentro de casa, com os rostos pesados. A praça, onde todos se reuniam para ensaiar a encenação de Natal, estava vazia. O palco, normalmente iluminado e cheio de vida, estava escuro e deserto.
Eu fui até lá, tentando me convencer de que tudo ainda tinha salvação, mas a cena era desoladora. João, que sempre estava animado para os ensaios, estava sentado em um banco, olhando para o nada. Ele levantou a cabeça quando me viu, mas o sorriso que costumava me dar estava ausente. - Ana... como vamos fazer o Natal esse ano? - ele perguntou, a voz cheia de cansaço. Eu não sabia o que responder. Não era apenas a seca que estava nos afetando, mas algo mais profundo. O desânimo parecia ter se espalhado por toda a cidade, como uma sombra que não queria sair.
Yuri, Sacha e Guilherme chegaram juntos, com expressões semelhantes. - O que você acha, Ana? Será que ainda dá para fazer alguma coisa? - Sacha perguntou, seus olhos refletindo a mesma incerteza que eu sentia. Eu tentei sorrir, mas a verdade era que estava difícil ver um caminho. As pessoas não tinham mais energia para ensaiar, para preparar a festa. As dificuldades financeiras e a escassez de água estavam roubando as forças de todos.
Até Luana, normalmente tão animada e cheia de planos, estava quieta. Ela olhou para a praça e disse com uma tristeza que eu nunca tinha visto antes: - Não sei se tem sentido continuar, Ana. As pessoas estão sem vontade... e nem as crianças estão mais animadas para fazer parte do Natal... - Ela suspirou, e eu senti uma dor no peito.
Eu sabia o que ela queria dizer. O espírito de Natal parecia ter desaparecido, e com ele, a energia de toda a cidade. Eu sentia que Sertão do Sol estava perdendo sua alma, e que a festa que sempre uniu a todos estava desaparecendo diante dos nossos olhos.
Mas, no fundo, algo dentro de mim não podia acreditar que tudo tinha acabado. O Natal era mais do que uma simples festa, mais do que uma encenação. Ele era sobre o que éramos como comunidade. O problema não era a seca, nem a falta de recursos. O problema era que as pessoas haviam começado a perder a fé. E, quando a fé se vai, o que nos resta?
Eu ainda acreditava que poderia fazer algo. Talvez eu não soubesse como ainda, mas sabia que a resposta não estava em desistir. Eu tinha que encontrar uma maneira de reacender aquela chama de esperança. Afinal, o Natal nunca foi sobre o que tínhamos, mas sobre o que compartilhávamos.
Então, quando todos começaram a se dispersar e a praça foi ficando mais vazia ainda, uma ideia começou a tomar forma na minha mente. Não sabia se seria o suficiente, mas uma coisa era certa: eu não podia deixar que Sertão do Sol perdesse o que tinha de mais precioso.
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