Capítulo 2 – Rachaduras

O telefone vibrava sobre a mesa de madeira, mas Gustavo não tinha coragem de atender. A tela piscava com o nome de Augusto pela terceira vez naquele dia. Ele olhava, suspirava e deixava o silêncio vencer.

Estava no pequeno quarto do seu apartamento, o violão encostado num canto e uma xícara fria esquecida na janela. A cidade, lá fora, vivia seu ritmo. Mas dentro dele, tudo parecia suspenso — um tempo que não passava, um peso que não saía. Gustavo queria mais da vida, sempre foi sonhador, mas acreditar no amor tinha feito ele se frustrar não uma, mas duas vezes. Ele queria ir ver Augusto, mas nem se lembrara de quantos dias estava trancado sem sair. Gustavo trabalhava em uma empresa em Santa Felicidade, mas depois de pegar uma folga de 4 dias, não saiu mais de casa.


Foi só no fim da tarde que decidiu ir. Chegou ao apartamento de Augusto com passos lentos, como quem pede desculpas só com o corpo. Augusto abriu a porta de imediato, olhos cansados, expressão dura.

— Mais de dois dias, Gustavo.

Gustavo baixou o olhar.

— Eu precisava pensar.

— E achou alguma resposta nesse silêncio todo? Eu gosto de você cara, você não pode desaparecer como se isso não fosse fazer a diferença na vida de outra pessoa.

Ele entrou sem responder. Sentou no sofá. Passou as mãos no cabelo.

Augusto ficou em pé, braços cruzados.

— Você não precisa me amar do jeito certo. Mas me amar escondido, eu não aceito mais.

Gustavo engoliu seco. Não soube o que dizer. O peito doía, como sempre doía quando alguém queria demais dele.

— Não é você... sou eu — murmurou, sem graça.

Augusto riu, sem humor.

— Jura que vai me dar essa frase pronta?

Silêncio.

Gustavo viu imagens cortadas dentro da mente. O rosto de Lucas, seu ex, gritando com ele numa rua escura. A mão pesada. O empurrão. O medo. Depois, a porta trancada por dentro. A mala jogada no chão. O pai dizendo que aquilo não era “vida de homem”. A mãe chorando, sem saber onde errara. No fim, a rua. Dormir com o violão como travesseiro, dividindo um banco de praça com um estranho.

— Eu já tentei antes... — sussurrou. — E quebrei.

Augusto se sentou ao lado dele, mais calmo agora.

— Eu não sou eles. Eu sei que você tem seus problemas, mas você me tem. Tem que dividir seus problemas, eu estou aqui pra você!

— Mas eu ainda sou eu.

— E é o cara que eu mais admiro nesse mundo!

Os dois ficaram ali, sem saber como sair daquela conversa. Às vezes o amor não grita. Ele cala.


No outro dia, Aline apareceu de surpresa no hospital. Levava um lanche pra Augusto e um veneno disfarçado de gentileza.

— Ele apareceu, né?

Augusto assentiu, desconfiado.

— Olha, eu não quero me meter... mas talvez você devesse prestar mais atenção. Gustavo é encantador, mas tem os próprios interesses. Meu irmão, ele não é pra você, E você sabe como são as pessoas como ele. É você contra o mundo inteiro, porque os bi são assim, eles não sabem o que querem...

— Aline...

— Só tô dizendo que às vezes a gente se engana com quem a gente quer muito.

Augusto franziu a testa.

— Ele não é assim.

— E você o conhece tão bem assim?

Ela sorriu com doçura falsa e foi embora.

Augusto ficou ali, parado. A frase dela ecoava de forma incômoda.

“Talvez você devesse prestar mais atenção.”

No fundo, ele ainda acreditava em Gustavo. Mas uma rachadura havia se formado. E, às vezes, tudo o que o amor precisa pra estremecer... é uma dúvida mal colocada.