A madrugada trazia um frio úmido que se infiltrava nos ossos. O grupo havia encontrado abrigo temporário em uma escola abandonada, de paredes rachadas e quadros tortos. Na sala dos fundos da antiga sala de informática, JP montava seu santuário de fios, telas e baterias reaproveitadas.
De fones nos ouvidos e os olhos colados em códigos e ondas oscilantes, ele estava em outro mundo. Um mundo que só ele entendia. Um mundo onde ainda havia lógica em meio ao caos.
De repente, algo apitou.
— Espera aí... — murmurou ele, ajustando o sintonizador.
Era uma transmissão curta, fragmentada. Mas claramente alienígena.
— Tem coisa nova aqui...
Ele isolou o canal, aplicou um filtro, e finalmente conseguiu decifrar parte da linguagem dos Alpha-Draconianos. Não foi fácil, mas depois de meses estudando os sinais e testando algoritmos criados por ele mesmo, JP estava finalmente diante de uma resposta.
Correu até a sala onde Antônio dormia com o fuzil ao lado do corpo.
— Antônio! Acorda! Agora!
O líder despertou num pulo, olhos atentos, pronto para qualquer ameaça.
— O que foi, JP? Ataque?
— Não... Descoberta.
Logo estavam todos reunidos na biblioteca, com lanternas improvisadas iluminando mapas e telas digitais.
JP ativou a gravação interceptada. Sons metálicos, vocabulário híbrido, símbolos e dados técnicos. Depois de alguns segundos, ele traduziu:
— É um protocolo de sincronização neural. Descobri como os chips funcionam.
Todos prenderam a respiração.
— O chip que eles implantam na espinha não é apenas um controle motor ou emocional. Ele se conecta a um servidor central — como se fosse um roteador de comportamento. O chip envia impulsos, e o servidor devolve comandos. É assim que eles mantêm o controle em massa.
— E onde está esse servidor? — perguntou Natália, com os braços cruzados.
— Numa base no centro do país. Aqui. — JP apontou para o mapa do Brasil, sobrepondo as coordenadas da transmissão. — Antiga Base Aérea de Anápolis, em Goiás. Os alienígenas transformaram o local em um centro tecnológico de dominação.
— Quantos quilômetros estamos de lá? — perguntou David.
— Mais de seiscentos — respondeu Antônio.
— E você está dizendo que, se destruirmos esse servidor, os chips param? — indagou Laura.
JP assentiu.
— Teoricamente, sim. Sem os comandos, os chips se tornam apenas implantes passivos. Os humanos voltam a pensar por si. É a nossa chance de salvar o Augusto... e milhares de outros.
Milena estava sentada ao lado, quieta. Ouvia tudo, mas havia algo em seus olhos. Um cansaço que ia além do físico.
— E se for uma armadilha? — perguntou ela, baixinho.
— Pode ser — disse Antônio, sincero. — Mas é a única pista concreta que temos.
— Não dá pra ir agora — ponderou Natália. — Temos feridos, pouca comida e quase sem combustível. Se formos assim, vamos direto pro abate.
— E se... — JP hesitou, depois continuou — e se antes da viagem, a gente fizer um teste? Interceptar outro chip... vivo. Talvez consigamos confirmar que o que eu descobri é real.
— Você quer capturar um deles? — David franziu a testa.
— Não um lagarto. Um humano chipado. Eles são como nós. Mas... desconectados.
O silêncio que se seguiu foi denso.
— E você consegue fazer isso, JP? — perguntou Antônio, sério. — Interagir com o chip, sem colocar ninguém em risco?
— Eu consigo tentar.
Laura se levantou.
— Eu sei onde podemos encontrar um. Vi uma patrulha passar pela zona norte da cidade. Um deles estava com um grupo de humanos submissos. Devem estar usando algum lugar como entreposto.
— Um de nós vai precisar ir até lá — disse Antônio. — Observar. Planejar.
Natália se adiantou.
— Eu vou.
— Vai sozinha? — questionou David.
— É infiltração, não confronto. Se alguém pode entrar e sair sem ser vista, sou eu.
Antônio respirou fundo, depois assentiu.
— Tudo bem. Mas vá ao amanhecer. E volta viva.
Enquanto todos se dispersavam para descansar, JP ficou olhando fixamente para a tela. Linhas de código deslizavam. O mundo que ele conhecia antes da guerra parecia tão distante agora.
Ele pensava em Rafael, nos pequenos momentos de paz que compartilhavam entre uma missão e outra. Pensava no futuro que não existia mais — e num novo que talvez ainda pudesse ser construído.
Se os chips pudessem ser desligados... talvez ainda houvesse alguma chance.
Ele tocou a nuca, imaginando a dor de quem tinha aquele dispositivo implantado. Não era só carne invadida. Era a alma arrancada. A identidade perdida.
E naquele instante, JP jurou para si mesmo:
— Eu vou libertar vocês. Todos vocês.
