Jamily, 17 anos, sentia a música pulsar no peito antes mesmo de dar o primeiro passo. Moradora de Londrina, ela passava as tardes dançando nas praças da cidade, com o fone no ouvido e o asfalto quente sob os pés. Não era balé clássico, nem nada que exigisse sapatilhas caras — era dança urbana, cheia de giros, pulos e energia que vinha da alma. Para ela, dançar era como respirar.
Naquela semana, um cartaz no ponto de ônibus mudou tudo. “Festival Nacional de Dança – Inscrições Abertas.” O evento seria em Curitiba, e Jamily viu ali a chance de mostrar o que sabia. Só tinha um problema: ela precisava de uma coreografia pronta e de dinheiro pra viajar. E, claro, da coragem pra encarar o que vinha pela frente.
Na sala de casa, ela mostrou o cartaz pra mãe, dona Rosa, que estava cortando cebola pra janta.
— Mãe, olha isso! — disse Jamily, apontando pro papel. — Eu quero ir. É minha chance.
Dona Rosa limpou as mãos no avental e pegou o cartaz, franzindo a testa.
— Festival? E essa viagem, Jamily? A gente mal tem pra fechar o mês. E dança... Isso vai te levar pra onde?
— Pra algum lugar, mãe! — respondeu ela, o tom subindo. — Eu não quero ficar só sonhando.
A mãe suspirou, mas não disse mais nada. Jamily sabia que era por preocupação, mas aquelas palavras pesavam. Ela decidiu que ia dar um jeito sozinha.
No dia seguinte, reuniu os amigos no Parque Arthur Thomas. O som portátil de Bia, sua melhor amiga, ecoava um batidão enquanto Jamily testava passos novos. O grupo — Bia, o magrelo do Lucas e a quieta Mari — assistia, empolgado.
— Mano, tu arrasa! — gritou Lucas, filmando com o celular. — Isso aí é pro festival, né?
— É — respondeu Jamily, parando pra respirar. — Mas ainda falta grana pra ir.
— A gente faz uma vaquinha — sugeriu Bia, mexendo no cabelo cacheado. — Põe esse vídeo na Internet, Jamily. Vai que viraliza?
Ela hesitou, mas topou. O vídeo foi pro Instagram, com a legenda: “Sonho de dançar em Curitiba. Quem ajuda?”. Em dois dias, tinham juntado quase cem reais com doações de conhecidos. Não era muito, mas era um começo.
O problema veio na escola. Jamily mostrou o vídeo pra professora de artes, dona Helena, querendo um conselho. Mas a reação não foi o que ela esperava.
— Dança urbana? — disse dona Helena, ajustando os óculos. — Isso é bonito pra rua, Jamily, mas festival é coisa séria. Cadê o balé, a técnica?
Jamily sentiu o sangue subir.
— Técnica eu tenho, professora. Só que é do meu jeito — retrucou, a voz firme. — Não precisa de sapatilha pra ser arte.
Dona Helena ficou quieta, mas o olhar dizia que não acreditava. Aquilo doeu mais do que Jamily queria admitir. Em casa, ela trancou o quarto e chorou, o cartaz amassado na mão. Mas aí pensou nos amigos, no vídeo, nas praças de Londrina que sempre a acolheram. Não ia desistir.
Nos dias seguintes, ela ensaiou como nunca. Pegou o ônibus pro centro e dançou na frente do Calçadão, chamando atenção de quem passava. Um tiozinho até jogou dez reais no chão, rindo.
— Essa menina tem fogo! — gritou ele, aplaudindo.
Com a vaquinha e mais uns trocados que juntou vendendo brigadeiro na escola, Jamily conseguiu a passagem. No dia do festival, subiu no palco em Curitiba com o coração na boca. A música explodiu, e ela dançou — cada giro, cada passo, carregando Londrina consigo. Não levou o primeiro lugar, mas o aplauso da plateia foi alto o suficiente pra ela sentir que tinha valido.
De volta em casa, dona Rosa a esperava na porta.
— E aí, minha bailarina? — perguntou, com um sorriso tímido.
— Não ganhei, mãe — disse Jamily, mas ergueu o queixo. — Mas mostrei quem eu sou.
Dona Rosa puxou ela pra um abraço, e Jamily soube que, dali pra frente, a dança não seria mais só um sonho. Era parte dela, e Londrina ia ter que se acostumar com isso.