Capítulo 3: Don't dry with fakes or fears


 O galpão parecia encolher ao redor de Bruno enquanto ele digitava no teclado do servidor. A luz trêmula da tela iluminava seu rosto, destacando as olheiras que ele carregava há semanas. Clara estava ao lado, a lanterna apontada para um canto do teto onde aranhas teciam teias grossas. O vento entrava pelas janelas quebradas do Jaguaré, uivando baixo, como se tentasse contar algo que Bruno não queria ouvir. A melodia de "Wind" ainda saía dos alto-falantes, mas agora parecia mais lenta, quase melancólica.


— Esse lugar tá me dando arrepios — disse Clara, mudando o peso de uma perna pra outra. — Quanto tempo você vai ficar aí mexendo nisso?

— Até entender o que tá acontecendo — respondeu Bruno, sem desviar os olhos da tela. — Esses vídeos... eles não são aleatórios.

Ele abriu outro arquivo do diretório "Fragmentos". Desta vez, a tela mostrou uma sala de reuniões que ele conhecia bem: o escritório na Avenida Paulista. Mas, no vídeo, ele estava de pé, apresentando algo com confiança, enquanto colegas aplaudiam. A legenda dizia: "Promoção — 2024". Bruno sentiu um nó na garganta. Isso nunca aconteceu. Ele ainda era o cara do fundo da sala, consertando bugs que ninguém notava.

— Isso é o que você queria ser? — perguntou Clara, inclinando a cabeça pra ver o vídeo.

— Não sei — murmurou ele. — Talvez. Mas eu nunca tentei.

Antes que Clara pudesse responder, a tela piscou, e um novo vídeo começou sem que ele clicasse. Era ele de novo, mas agora sozinho, sentado num banco de praça na Praça da Sé. A câmera tremia, como se fosse uma gravação amadora. Ele parecia mais velho, o cabelo desgrenhado, os olhos fundos. Falava baixo, direto pra lente.

— "Eu não fiz nada que valesse a pena. O tempo passou, e eu só... fiquei aqui" — a voz de Bruno no vídeo era rouca, carregada de arrependimento.


O verdadeiro Bruno recuou na cadeira, o coração disparado. O vento lá fora ficou mais forte, jogando cacos de vidro pelo chão do galpão.

— Desliga isso! — exclamou Clara, dando um passo pra trás. — Isso tá ficando muito estranho.

— Não — disse ele, firme, embora sua mão tremesse no teclado. — Eu preciso ver.

Ele clicou em outro arquivo, "Bruno_27". A tela mostrou uma versão dele gritando no celular, numa rua movimentada que parecia a Rua Augusta. A legenda dizia: "Demissão — 2025". No vídeo, ele jogava o telefone no chão e saía andando, os ombros curvados. Bruno sentiu o peito apertar. Era como se o servidor estivesse jogando na cara dele todos os medos que ele enterrava: fracassar no trabalho, ficar sozinho, virar um ninguém.

— Por que tá me mostrando isso? — perguntou ele, mais pro servidor do que pra Clara.

— Talvez seja um aviso — sugeriu ela, cruzando os braços. — Ou um teste. Você já viu filme de terror, né? Essas coisas sempre têm um motivo.

Bruno ignorou o comentário e abriu outro arquivo, quase por teimosia. Desta vez, era um vídeo dele num apartamento vazio, olhando pela janela. Não havia móveis, só uma caixa de papelão no canto. Ele parecia perdido, e a legenda dizia: "Solidão — 2026". O vento no galpão uivou mais alto, e a tela começou a piscar, como se o servidor estivesse sobrecarregado.

— Chega disso — disse Clara, puxando o braço dele. — Você tá pálido, Bruno. Vamos respirar um pouco.

Ele resistiu por um momento, mas acabou cedendo. Os dois saíram do galpão e pararam na calçada, o ar úmido de São Paulo enchendo os pulmões. O rádio no bolso de Bruno ainda tocava "Wind", a melodia agora um fio tênue que o mantinha ancorado. Ele sentou no meio-fio, as mãos na cabeça.

— Esses vídeos... são tudo que eu tenho medo de virar — confessou, a voz baixa. — Um fracassado. Sozinho. Esquecido.

Clara sentou ao lado dele, apagando a lanterna.

— Olha, eu não te conheço direito, mas você tá aqui, né? Não tá naquele banco da praça ainda. Esses vídeos são só possibilidades, não o fim da linha. As coisas podem ser diferentes, talvez essa coisa estranha, essa música interminável, tudo isso seja um aviso para que você perca o medo e corra atrás dos seus sonhos.

Bruno levantou o olhar, o vento bagunçando seu cabelo. Ele pensou na letra da música: “Don’t cry ‘cause you’re so right…” Talvez Clara tivesse razão. Talvez aquilo fosse um empurrão, não uma sentença. Ele respirou fundo e pegou o celular, abrindo um editor de texto.

— O que você tá fazendo? — perguntou ela, curiosa.

— Anotando uma coisa — respondeu ele, digitando rápido. — Tem um arquivo corrompido lá dentro, chamado "Bruno_27". Se eu consertar, talvez mostre algo diferente.

Clara deu um sorriso de canto.

— Tá, nerd. Mas se for um vídeo de você virando milionário, me chama pra festa, porque agora eu faço parte da sua vida.

Bruno riu, um som leve que ele não ouvia de si mesmo há tempos. Ele se levantou, o rádio ainda tocando, e voltou pro galpão com Clara atrás. Sentou na cadeira quebrada e começou a trabalhar no arquivo corrompido, linha por linha. O vento soprava pelas janelas, mas agora parecia menos hostil, como se esperasse pra ver o que ele faria.

— Vamos ver o que você tem pra me dizer — disse ele ao servidor, os dedos firmes no teclado.