A seca podia estar destruindo as plantações e silenciando as ruas, mas eu sabia que ainda havia algo poderoso em Sertão do Sol. Algo que, nem mesmo a falta de chuva, poderia apagar. Eu senti isso quando os últimos ecos das vozes dos meus amigos se apagaram na praça, e uma certeza forte brotou em mim, como a planta que nasce na rachadura da pedra: o Natal não estava nas riquezas materiais, mas na união das pessoas.
Senti como se uma chama tivesse se acendido dentro de mim, e, com isso, a decisão estava tomada. Eu ia lutar para salvar a tradição, nem que fosse da maneira mais simples. Não importava se o palco seria feito de madeira nova ou velha, se os figurinos seriam feitos com os tecidos mais caros ou com as roupas mais simples. O que realmente importava era a vontade de nos reunirmos, de celebrar juntos, como sempre fizemos. E, mais importante ainda, manter viva a fé que sempre foi o alicerce da nossa cidade.
– E que seja simples, mas que seja de coração! Não podemos deixar o Natal morrer aqui! – eu pensei, para mim mesma.
A primeira pessoa que fui procurar foi João, o nosso carpinteiro. João não era só um homem com habilidade nas mãos, mas um homem com um coração grande. Ele sempre tinha um sorriso acolhedor para qualquer um que pedisse um favor. Ele fez a última peça do presépio há alguns anos, e eu sabia que, se alguém conseguiria me ajudar, era ele.
– João, o Natal precisa de você, eu disse, quando o encontrei em sua oficina. Ele olhou para mim, sério, mas com um brilho nos olhos que me fez acreditar.
– Ana, tu sabes que eu sou bom com a madeira, mas não sei se vai ser suficiente para animar o povo. A seca pegou forte esse ano... – João falou, mexendo nas serragens de madeira com os pés, pensativo.
– Eu sei, João. Mas o presépio precisa ser simples. Vamos construir algo com o que temos, mas com todo o cuidado e carinho do mundo. O que realmente importa é que todos nós estejamos unidos ali. Vamos fazer com o que temos. Não precisamos de mais nada para espalhar a magia do Natal. E tu sabe que o brilho do Natal vem da união, não do que se tem. – Eu dei meu melhor sorriso para ele, tentando transmitir toda a força que sentia.
João olhou para mim por um momento, como se estivesse pesando minhas palavras. Depois, deu um suspiro, como quem decide lutar contra uma correnteza, e então, sorriu.
– Tá certo, Ana. Vou começar a fazer a estrutura amanhã. Se é a união que tu queres, é com a união que faremos esse presépio!
Agora que tínhamos o presépio, a próxima missão era garantir que os figurinos estivessem prontos. E, para isso, ninguém melhor que Dona Tereza. Dona Tereza era a costureira mais habilidosa de Sertão do Sol e sempre tinha uma palavra de sabedoria para qualquer situação.
Quando cheguei à sua casa, o aroma de café fresco misturado com o cheiro de tecido novo me acolheu. Dona Tereza estava costurando um vestido para sua neta, mas parou quando me viu.
– Ana, minha filha! Como está a sua família? Tudo bem com vocês na seca? – Ela me perguntou, com sua voz suave, mas firme, de quem já havia vivido muitas coisas.
– Está difícil, Dona Tereza, mas a gente vai se ajeitando. Vim aqui pedir uma ajuda... o Natal está ameaçado... e preciso de figurinos simples, mas bonitos para nossa encenação... – Eu expliquei, com um pouco de receio, pois sabia que não tinha muito para oferecer.
Ela me olhou com uma expressão que não dava para entender direito, até que, finalmente, respondeu com aquele jeito carinhoso de sempre.
– Simples e bonito? Filha, eu sou boa nisso. Não precisamos de luxo, só de vontade e amor. Vou te ajudar com tudo o que tiver aqui em casa. Tu sabes que pode contar comigo para o que for preciso!
Fiquei com o coração cheio de gratidão. Dona Tereza era uma mulher incrível, com um dom de transformar qualquer pedaço de pano em algo cheio de significado. Ela já estava selecionando tecidos coloridos e criando os primeiros moldes para as roupas dos pastores e anjos, tudo com o mesmo cuidado e amor que ela colocava em suas costuras para a festa de São João.
No dia seguinte, fui até a casa de Sacha, um dos meus amigos mais próximos. Ele estava sempre disposto a ajudar, e sabia que a sua energia positiva poderia ser o que precisávamos para animar os outros.
– Sacha, o que acha de nos ajudar a dar vida a nossa encenação? Quero que todos, mesmo com dificuldades, possam sentir o espírito do Natal, o verdadeiro espírito, aquele de união e esperança! – eu disse com determinação.
– Ana, tu sabes que estou contigo em tudo. Vamos botar a mão na massa e fazer acontecer! Se o povo não tem o que comemorar, a gente vai dar uma razão para se unir, nem que seja com um sorriso! – Sacha respondeu, e pude ver que a animação dele estava contagiando a todos.
A cada passo, a cada encontro, eu começava a perceber algo muito forte: quando as pessoas se unem para uma causa maior, nada pode parar o que elas podem realizar. A seca era um obstáculo, mas a nossa fé era mais forte. E, com isso, sabia que seria possível criar um Natal diferente, mas não menos especial.
O Natal de Sertão do Sol não seria sobre riquezas, mas sobre união. Eu sabia que, no final, o brilho dessa noite seria o reflexo do esforço de cada um de nós, da nossa vontade de manter viva a chama da esperança.
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