Desde sua fundação em 1965, a TV Globo entendeu que o jornalismo seria uma peça-chave em sua ascensão. Enquanto as telenovelas conquistavam o coração do público, os telejornais da emissora moldavam mentes e consolidavam seu poder como a principal fonte de informação do Brasil. Entre 1965 e 1985, o jornalismo da Globo passou de experimentos modestos a uma máquina influente, capaz de unificar o país em torno de uma única narrativa — mas também de gerar controvérsias que ecoam até hoje. Esse período, marcado pela ditadura militar e pela transição democrática, revelou a dualidade da emissora: uma potência informativa que, ao mesmo tempo, navegava entre a independência editorial e os interesses do poder estabelecido.
O marco inicial veio em 1º de setembro de 1969, com a estreia do "Jornal Nacional". Apresentado por Cid Moreira e Hilton Gomes, o programa foi o primeiro telejornal transmitido em rede nacional, um feito técnico e logístico possibilitado pela expansão das retransmissoras e pelo uso pioneiro de satélites. Com a icônica vinheta composta por Ary Barroso e a voz grave de Cid Moreira lendo as notícias, o "JN" tornou-se um ritual diário para milhões de brasileiros. Roberto Marinho, fundador da Globo, enxergava no jornalismo uma ferramenta para projetar a emissora como símbolo de modernidade e unidade nacional — um objetivo alinhado aos interesses do regime militar, que via na televisão um meio de propaganda e controle.
Nos anos 1970, o "Jornal Nacional" consolidou-se como líder de audiência, beneficiado pelo "Padrão Globo de Qualidade". A emissora investiu em tecnologia, como o videoteipe, que permitia a gravação e edição de reportagens, e em uma redação estruturada sob o comando de Armando Nogueira, diretor de jornalismo entre 1966 e 1990. Programas como "Fantástico", lançado em 1973, complementaram a grade com um formato inovador que misturava notícias, entretenimento e variedades, apresentado por nomes como Sérgio Chapelin e Glória Maria. A Globo também ampliou sua cobertura internacional, com correspondentes em cidades como Nova York e Londres, reforçando sua imagem de jornalismo sério e globalizado.
A relação com o regime militar, no entanto, foi o fio condutor mais controverso desse período. Durante a ditadura (1964-1985), a Globo manteve uma postura de apoio tácito ao governo, beneficiando-se de concessões de canais e financiamentos estatais. O "Jornal Nacional" frequentemente omitia ou suavizava notícias sobre repressão, torturas e resistência política. Um exemplo marcante foi a cobertura do AI-5, em 1968, tratado como uma medida administrativa, sem menção às liberdades suprimidas. Essa alinhamento gerou críticas de movimentos esquerdistas e intelectuais, que acusavam a emissora de ser uma "porta-voz" do regime.
A censura também pesava sobre os jornalistas da Globo. Reportagens eram submetidas à aprovação prévia do governo, e temas como greves ou corrupção eram evitados. Em 1976, a morte do jornalista Vladimir Herzog nas dependências do DOI-CODI, em São Paulo, foi noticiada pela Globo como um "suicídio", seguindo a versão oficial — uma decisão que, anos depois, seria reconhecida como um erro pela própria emissora. Armando Nogueira, apesar de sua habilidade técnica, enfrentava constantes pressões para adequar o conteúdo às diretrizes do regime, equilibrando a busca por credibilidade com as limitações impostas.
A virada começou a se desenhar nos anos 1980, com o enfraquecimento da ditadura. A cobertura das "Diretas Já", em 1984, tornou-se um divisor de águas — mas também um ponto de inflexão controverso. Inicialmente, a Globo minimizou o movimento pela redemocratização, tratando as manifestações como "festas cívicas" em vez de protestos políticos. O "Jornal Nacional" de 25 de janeiro de 1984, por exemplo, deu apenas 17 segundos ao comício de São Paulo, que reuniu 300 mil pessoas, enquanto destacava o aniversário da cidade. A pressão pública e a concorrência da TV Bandeirantes, que transmitiu os eventos ao vivo, forçaram uma mudança. Em abril, a Globo passou a cobrir os comícios com mais ênfase, mas o dano à sua reputação já estava feito. A frase "O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo", entoada nas ruas, ecoou como um alerta.
O ano de 1985 marcou o fim da ditadura e o início de uma transição no jornalismo da Globo. A posse de José Sarney, primeiro presidente civil após 21 anos, foi amplamente coberta, sinalizando uma postura mais aberta. Programas como "Globo Repórter", que estreou em 1973 mas ganhou força nos anos 1980, começaram a explorar temas sociais e investigativos, como a miséria no Nordeste, antes evitados. A emissora também passou a investir em debates políticos, como o histórico confronto entre Fernando Collor e Lula na eleição de 1989 — embora este evento esteja fora do recorte deste capítulo, ele reflete a evolução iniciada em 1985.
Entre 1965 e 1985, o jornalismo da Globo foi um espelho das contradições do Brasil: uma nação sob repressão que, aos poucos, buscava sua voz. A emissora construiu uma infraestrutura inigualável, formou gerações de jornalistas e deu ao país uma janela para o mundo. Mas também carregou o peso de escolhas que a colocaram no centro de debates éticos. Ao fim desse período, a Globo era mais do que uma fonte de notícias; era uma instituição de poder, cuja influência na opinião pública a tornava alvo de admiração e desconfiança em igual medida. O jornalismo, assim como o Brasil, estava em transformação — e a Globo, quer quisesse ou não, seria obrigada a acompanhar.