O clima entre Gabriel e Raíssa piorava a cada encontro. Eles estavam sentados em um banco de praça, numa tarde abafada, quando a conversa azedou de vez.
— Você nunca tá presente, Gabriel! — disse Raíssa, cruzando os braços. — Eu ligo, mando mensagem, tento marcar algo... e você sempre arruma desculpa.
— Não é desculpa, Raíssa. Eu só... não consigo estar do jeito que você quer.
— Do jeito que eu quero? Eu só quero que você me trate como prioridade. Parece que você prefere passar tempo com o João Pedro do que comigo!
Gabriel abaixou a cabeça, sem conseguir rebater. No fundo, sabia que ela tinha razão.
— Não é isso... é que com ele eu consigo ser eu mesmo. Não preciso provar nada, não preciso andar na linha o tempo todo.
— Então é isso? — a voz de Raíssa tremeu. — Você já escolheu quem é mais importante?
Gabriel não respondeu. Raíssa se levantou, com os olhos marejados, e saiu apressada, sem olhar para trás.
Naquela mesma noite, Gabriel mandou mensagem para João Pedro. Eles se encontraram no parque da cidade, onde a iluminação fraca e o barulho distante dos grilos criavam um clima de calma.
— Tá mal, né? — disse João Pedro, sentando-se na grama.
— Raíssa tá certa em algumas coisas... mas, cara, eu não consigo mais lidar com tantas cobranças. Parece que qualquer coisa que eu faça é motivo pra briga.
João Pedro olhou para o céu estrelado e depois voltou o olhar para o amigo.
— E o que você sente quando tá com ela?
— Cansaço.
— E comigo?
Gabriel deu um meio sorriso, quase envergonhado.
— Tranquilidade. Eu sinto que não preciso ser outra pessoa.
Eles ficaram ali por horas, conversando sobre tudo: família, sonhos, medos. O tempo parecia não passar. Era como se cada palavra fosse reforçando uma ligação difícil de explicar.
Enquanto isso, em outro ponto da cidade, Renan vivia um dos piores dias de sua vida. Ele caminhava de um lado para o outro no hospital, esperando notícias de Kaio. Finalmente, um médico surgiu, com expressão séria.
— Você é parente próximo? — perguntou o médico.
— Não..., mas sou como irmão dele. Pode me falar.
— O estado dele é delicado. O acidente comprometeu os rins. Ele vai precisar de um transplante.
Renan sentiu as pernas bambearem. Ficou em silêncio por alguns segundos, tentando absorver a informação.
— E... se ninguém da família puder doar? — perguntou, com a voz falhando.
O médico suspirou.
— Nesse caso, só com compatibilidade de doadores externos. É uma fila longa, não é fácil.
Renan respirou fundo, como quem tomava uma decisão irreversível.
— Então faça os testes comigo. Se ninguém puder doar, eu vou.
O médico o encarou, surpreso com a determinação.
— Você tem certeza disso?
— Absoluta. Kaio faria o mesmo por mim. Ele é meu melhor amigo.
Naquele momento, Renan entendeu que amizade verdadeira era mais do que risadas e planos para o futuro. Era estar disposto a abrir mão até do próprio corpo para salvar o outro.
E assim, enquanto Gabriel se perdia entre a pressão de um namoro e a leveza de uma nova amizade, Renan encarava a maior prova de amor que alguém pode dar.