Capítulo 3 - No Meio da Revolução

Antonio e Andressa caminhavam pelo acampamento farrapo, tentando esconder o espanto diante da cena que se desenrolava à sua volta. Homens montados a cavalo passavam apressados, carregando espadas e lanças. Barracas de lona estavam espalhadas pelo campo, com soldados afiando facões, cozinhando em panelas de ferro sobre fogueiras e costurando bandeiras. O cheiro de fumaça e couro molhado impregnava o ar.

Antonio se inclinou para Andressa e cochichou:

— Isso é real… estamos mesmo no século XIX.

Andressa apenas assentiu, ainda processando tudo aquilo. Antes que pudessem trocar mais palavras, o homem que os guiava parou em frente a uma barraca maior e fez um sinal para que aguardassem.

— Esperem aqui. Vou falar com o general Bento Gonçalves.

Ao ouvir aquele nome, os irmãos prenderam a respiração. Bento Gonçalves era uma figura lendária, e agora estavam prestes a conhecê-lo pessoalmente.

— Antonio, o que vamos dizer para ele? — perguntou Andressa, inquieta.

— Sei lá! Que a gente é… viajante?

Antes que pudessem decidir, o soldado voltou e fez um gesto para que entrassem.

— O general os receberá agora.

Antonio engoliu em seco, e Andressa segurou firme na mão do irmão. Juntos, entraram na barraca.

O encontro com Bento Gonçalves

Lá dentro, um homem de postura firme estava sentado diante de uma mesa rústica, coberta de mapas, cartas e penas de escrever. Ele tinha olhos atentos, um bigode bem aparado e vestia um casaco militar.

— Quem são vocês, guris? — perguntou Bento Gonçalves, cruzando os braços.

Antonio e Andressa trocaram um olhar rápido.

— Eu… eu sou Antonio, e essa é minha irmã, Andressa — disse o garoto, hesitante.

— Estávamos viajando e… nos perdemos — completou Andressa, tentando parecer natural.

Bento os observou por um instante e depois sorriu.

— Perdidos, é? Então o destino trouxe vocês até nós no meio de uma guerra… Curioso.

Ele se levantou e caminhou até um baú no canto da barraca. De dentro, retirou um pedaço de tecido e o estendeu na mesa. Era uma bandeira farrapa, com o brasão estampado no centro.

— Vocês sabem o que está acontecendo aqui?

Antonio e Andressa balançaram a cabeça.

— Um pouco… nossa avó já nos contou algumas histórias sobre a Guerra dos Farrapos — disse Andressa, cuidadosamente.

Bento sorriu com interesse.

— Então vou contar para vocês do jeito certo.

Ele apontou para o mapa sobre a mesa.

— O Rio Grande do Sul sempre foi uma terra de guerreiros. Somos um povo forte, que luta pelo que acredita. Em 1835, nos levantamos contra o Império do Brasil. Queríamos mais autonomia, mais respeito. E sabe o que recebemos em troca? Impostos cada vez mais altos sobre o charque e o gado. Os fazendeiros estavam cansados de serem explorados!

Antonio olhou para o mapa e apontou para um dos pontos marcados.

— E o que aconteceu depois?

Bento pegou um pequeno pedaço de madeira e colocou sobre a marca.

— Tomamos Porto Alegre e começamos nossa revolução. Mas o Império não ia nos deixar vencer tão fácil. Vieram com tudo contra nós.

Andressa franziu a testa.

— Mas vocês conseguiram resistir, não é?

Bento assentiu.

— E por muitos anos! A guerra já acontece a quase uma década. Muitos homens tombaram, mas nunca deixamos de lutar. Sabemos que nossa causa é justa.

Antonio olhou ao redor, absorvendo cada detalhe.

— Como era a vida nos acampamentos?

Bento sorriu e apontou para fora da barraca.

— Venham, vou mostrar.

O cotidiano farrapo

Fora da barraca, o general guiou os irmãos pelo acampamento. Eles viram soldados treinando com espadas, cavaleiros galopando pelo campo e mulheres costurando mantimentos para os guerreiros.

— As mulheres também participaram da revolução? — perguntou Andressa.

— Claro! Muitas delas espionavam, cuidavam dos feridos e até lutavam. Uma das mais conhecidas foi a Anita Garibaldi. Uma mulher de coragem!

Antonio olhou para Andressa com os olhos arregalados.

— Anita Garibaldi? Nossa avó já falou dela!

Bento riu.

— Pois ela foi uma das maiores heroínas que já tivemos. Ao lado de Giuseppe Garibaldi, ela combateu os inimigos com bravura.

Eles passaram por um grupo de soldados que comiam sentados no chão. Alguns bebiam chimarrão, enquanto outros assavam pedaços de carne no fogo.

— O chimarrão já existia naquela época? — perguntou Antonio.

— Sim, claro! O mate sempre foi parte da cultura gaúcha, muito antes da revolução. E a comida? Carne assada e charque eram as principais refeições dos farrapos. Precisávamos de algo que durasse e nos desse força.

Andressa olhou para tudo aquilo, maravilhada.

— Então vocês não eram apenas soldados. Vocês tinham uma vida aqui…

Bento assentiu.

— Exatamente. Lutávamos por um sonho. Mas também ríamos, cantávamos, fazíamos amizade. Era um povo unido.

Antonio e Andressa sentiam que estavam aprendendo mais ali, vivendo a história, do que jamais poderiam imaginar. Mas, no fundo, uma pergunta os atormentava: como voltariam para casa?

E, mais importante… será que deveriam mesmo voltar?