A cidade continuava respirando como se eu não existisse. A vida lá fora tinha pressa, luzes, sorrisos que se repetiam em fotos e stories; dentro de mim, tudo parecia desacelerar até quase parar. Eu passava horas olhando pela janela, vendo pessoas caminhando apressadas, casais de mãos dadas, risadas que atravessavam a rua e iam se perder no meu quarto. Era como assistir a um filme em que eu não tinha fala, só aparecia nas cenas de fundo.
Os amigos apareciam em publicações: festa de aniversário aqui, churrasco ali, uma viagem de fim de semana que eu descobria por comentários depois. Havia fotos com Higor no centro, rindo, com copos erguidos e legendas cheias de emoji. Eu sabia que era possível viver sem mim. E a cada imagem, a sensação de deslocamento aumentava: aquilo era a prova de que o mundo seguia, com a minha ausência percebida como algo natural, quase irrelevante.
Em casa acontecia o mesmo. Reuniões de família em que descobria que fui esquecido só pelas mensagens e pelas fotos que chegavam depois. Eles mandavam áudios contando piadas, dizendo que tinham se divertido, e eu ouvindo aquilo com a caixa de som abafada do meu próprio silêncio. Parecia que as coisas bonitas (as conversas leves, as mesas cheias, os planos), eram feitas em outra dimensão, inacessível para mim.
No trabalho, eu virava sombra. Havia tarefas, prazos, e ninguém perguntava como eu estava além do “tudo bem?” automático. Eu respondia “tudo” porque era mais simples, porque admitir não estar tudo bem exigia explicações que eu não tinha coragem de oferecer. E assim eu me tornava cada vez menos relevante até para mim mesmo: as opções que eu poderia escolher no mundo pareciam ser sempre as mesmas, sair de cena, encolher dentro do casulo ou fingir que nada estava errado.
O barulho do mundo me lembrava que havia um ritmo que eu não conseguia acompanhar. As estações mudavam, as músicas novas tocavam no rádio, e as pessoas adquiriram hábitos novos sem me convidar para fazer parte. Eu começava a acreditar que não tinha nada para acrescentar: minhas opiniões, meus planos, minhas pequenas piadas. Às vezes eu tentava falar, meter uma opinião em uma conversa, mas sentia as palavras escorregarem, sem causar impacto. Era desconfortável: as minhas palavras não tinham peso.
Talvez o mais cruel fosse a naturalidade com que os outros seguiam. Eles não faziam drama por uma ausência, não por maldade explícita, mas por indiferença cotidiana, essa que se instala como uma rotina. Eu via a vida deles se organizando em encontros, projetos, responsabilidades, enquanto eu ia ficando para trás, não por falta de vontade, mas por uma peça do quebra-cabeça que simplesmente não encaixava.
E eu comecei a me perguntar: se o mundo já dava sinais de estar completo sem mim, que lugar eu teria ali? Era uma pergunta que eu não conseguia responder. As ruas continuavam cheias; as pessoas, ocupadas; e eu, no meu ponto fixo, sentindo que a única coisa que sobrava para mim era observar (uma testemunha silenciosa de um tempo que não me pertencia).