Capítulo 3: Vozes da Resistência – O Papel do SUS e os Números da Pandemia

Enquanto o negacionismo de Jair Bolsonaro espalhava desinformação e caos, o Brasil encontrou na ciência e no Sistema Único de Saúde (SUS) suas maiores armas contra a Covid-19. Em meio a uma crise sem precedentes, marcada por números alarmantes e tragédias como o colapso em Manaus, o SUS emergiu como um pilar de resistência, provando que a união e a organização podem fazer a diferença mesmo nas piores circunstâncias. Este capítulo é uma celebração da ciência brasileira e um lembrete de que, apesar de todos os desafios, o país conseguiu encontrar caminhos para salvar vidas — não por causa do governo federal, mas apesar dele.


A pandemia da Covid-19 atingiu o Brasil com uma força avassaladora. Até o final de 2022, o país registrava cerca de 700 mil mortes, segundo dados do Ministério da Saúde, um número que o colocava entre os mais afetados do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. O ano de 2021 foi especialmente devastador, com picos de mais de 4 mil mortes diárias em abril, de acordo com o consórcio de veículos de imprensa que monitorava a pandemia. Um dos momentos mais trágicos ocorreu em Manaus, capital do Amazonas, em janeiro de 2021. A cidade, que já havia enfrentado uma primeira onda severa em 2020, entrou em colapso total: a taxa de ocupação de UTIs chegou a 100%, e a demanda por oxigênio superou a capacidade de fornecimento, conforme relatórios do Ministério da Saúde. Hospitais não tinham como atender a todos os pacientes, e a falta de oxigênio levou a um aumento dramático no número de óbitos. A crise em Manaus também foi o berço da variante P1, mais transmissível, que se espalhou rapidamente pelo Brasil e pelo mundo, contribuindo para uma segunda onda ainda mais letal.


Os números da pandemia no Brasil são um reflexo não apenas da força do vírus, mas também das falhas na gestão da crise. Em 2020, o SUS realizou mais de 2,5 milhões de internações relacionadas à Covid-19, um esforço hercúleo para um sistema de saúde que já enfrentava desafios estruturais antes da pandemia. Apesar disso, o SUS se mostrou essencial para evitar um cenário ainda mais catastrófico. Especialistas como o médico sanitarista Gonzalo Vecina, ex-presidente da Anvisa, afirmam que, sem o SUS, o número de mortes poderia ter sido muito maior. O sistema público de saúde, criado em 1988 com a Constituição Federal, é responsável por atender cerca de 75% da população brasileira, que não tem acesso a planos de saúde privados. Durante a pandemia, ele foi a única esperança para milhões de pessoas, especialmente as mais pobres, que enfrentavam maior risco de contágio devido às condições de vida precárias e à necessidade de trabalhar presencialmente.


Um dos maiores triunfos do SUS durante a pandemia foi a campanha de vacinação, que se tornou um símbolo de esperança em meio ao caos. A primeira dose de vacina no Brasil foi aplicada em 17 de janeiro de 2021, em São Paulo, marcando o início de uma nova fase na luta contra a Covid-19. A enfermeira Mônica Calazans, de 54 anos, foi a primeira brasileira a receber a CoronaVac, vacina desenvolvida pelo Instituto Butantan em parceria com a chinesa Sinovac. A escolha da CoronaVac não foi por acaso: o Instituto Butantan, um dos principais centros de pesquisa do Brasil, já tinha uma longa história de produção de vacinas, como a da gripe e da dengue. Durante a pandemia, o Butantan e a Fiocruz, outro pilar da ciência brasileira, foram fundamentais para garantir a autossuficiência do país na produção de doses. A Fiocruz, responsável pela vacina da AstraZeneca, produziu milhões de doses em sua fábrica no Rio de Janeiro, enquanto o Butantan entregava lotes semanais da CoronaVac.


A campanha de vacinação avançou rapidamente, apesar dos obstáculos impostos pelo governo federal. Até dezembro de 2021, 66% da população brasileira estava totalmente imunizada, ou seja, havia recebido as duas doses da vacina, de acordo com dados do Our World in Data. Isso colocava o Brasil à frente de países como Itália e Reino Unido em termos de imunização completa. São Paulo, o estado mais populoso do país, foi um destaque: até o final de 2021, 75% de sua população estava vacinada, superando nações desenvolvidas e mostrando a força do SUS e da coordenação local. Ao todo, o SUS aplicou mais de 400 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19 até o final de 2022, um feito impressionante para um país de dimensões continentais e com desafios logísticos enormes, como levar vacinas a comunidades ribeirinhas na Amazônia ou a áreas remotas do sertão nordestino.


A ciência brasileira também brilhou em outros aspectos. O Instituto Butantan e a Fiocruz não apenas produziram vacinas, mas também conduziram pesquisas que contribuíram para o entendimento global da pandemia. Por exemplo, o Butantan foi um dos primeiros a identificar a eficácia da CoronaVac contra a variante P1, publicando estudos que orientaram estratégias de vacinação em outros países. Além disso, o SUS coordenou a distribuição de equipamentos de proteção individual (EPIs) para profissionais de saúde e ampliou a capacidade de testagem, realizando milhões de testes RT-PCR ao longo da pandemia. Esses esforços, embora insuficientes para evitar todas as mortes, foram cruciais para mitigar o impacto do vírus e salvar vidas.


Enquanto o governo federal, sob a liderança de Bolsonaro, promovia desinformação e atrasava medidas essenciais, o SUS e a ciência brasileira se tornaram vozes de resistência. Eles mostraram que, mesmo em um cenário de negligência política, a organização e o compromisso com a vida podem fazer a diferença. A campanha de vacinação, em particular, foi um raio de esperança em um país que enfrentava não apenas o vírus biológico, mas também o "vírus" da desinformação. Cada dose aplicada era um passo em direção à recuperação, uma prova de que o Brasil, apesar de tudo, ainda tinha forças para lutar. A pergunta que ficava era: como o país poderia ter se saído se o governo federal tivesse apoiado, em vez de sabotar, esses esforços?