O almoço de domingo estava barulhento como sempre. A mesa farta, rodeada por primos, tios e avós, era um retrato típico da família de Laura. O cheiro de carne assada se misturava ao aroma do arroz fresquinho e da salada colorida. Maria Isabel, sentada ao lado da mãe, ria enquanto tentava equilibrar uma azeitona na ponta do dedo.
Foi quando a tia Clarice, uma parente distante que Laura via poucas vezes ao ano, comentou com um sorriso:
— Maria Isabel se parece tanto com você! Nem parece adotada!
O garfo de Laura parou no meio do caminho. O comentário, dito com naturalidade, soou como um elogio, mas a fez estremecer por dentro. Ela forçou um sorriso, sem saber como responder.
Maria Isabel nem prestou atenção, entretida demais com seu suco. Mas Laura sentiu um aperto no peito. Por que as pessoas falavam desse jeito? Como se a adoção fosse um detalhe a ser esquecido, como se o vínculo precisasse de alguma validação visual para ser real?
Ela se segurou para não rebater. Não queria transformar o momento em uma discussão. Mas a frase ecoou em sua cabeça pelo resto do dia.
Mais tarde, no parque, Laura sentou-se em um banco enquanto Maria Isabel brincava no escorregador. A menina gargalhava ao descer, os cachinhos soltos balançando ao vento.
Foi quando uma mulher desconhecida, que estava ali com seu próprio filho, puxou conversa.
— Sua filha é linda!
Laura sorriu, orgulhosa.
— Obrigada.
A mulher hesitou um instante e então perguntou, baixando um pouco a voz:
— Você já contou a verdade para ela?
Laura piscou, surpresa com a abordagem direta.
— Como assim?
— Sobre a adoção. Sobre os pais biológicos.
A pressão no peito voltou. Por que as pessoas achavam que ela precisava esclarecer algo para Maria Isabel? Como se sua maternidade dependesse de uma explicação constante, de um selo de autenticidade?
Laura respirou fundo e respondeu com delicadeza:
— Maria Isabel sabe que foi adotada. Mas a verdade dela não tem nada a ver com genética. A verdade dela é que eu sou a mãe dela.
A mulher apenas assentiu, sem graça, e mudou de assunto. Mas Laura sentiu a angústia crescer.
Já no escritório, na sala tranquila do consultório de Beatriz, ela desabafou:
— Parece que a adoção sempre precisa ser explicada. Como se fosse um detalhe estranho na história.
Beatriz, como sempre, escutava com atenção.
— E como isso faz você se sentir?
Laura passou as mãos pelos cabelos e suspirou.
— Como se eu tivesse que provar o tempo todo que sou mãe da Maria Isabel.
A psicóloga sorriu com gentileza.
— Você sente que precisa provar para quem?
Laura ficou em silêncio por um momento antes de responder:
— Para o mundo.
Beatriz inclinou-se levemente para a frente.
— O mundo sempre terá algo a dizer. Mas o importante não é como os outros enxergam vocês. É como Maria Isabel sente o amor que você dá a ela todos os dias.
Laura ficou pensativa. Sabia que Beatriz tinha razão. O que importava não era a opinião dos outros, mas sim a segurança que Maria Isabel sentia ao ser amada.
Ela respirou fundo, aliviada. Talvez não pudesse mudar as vozes da sociedade, mas podia garantir que, dentro de casa, sua filha sempre soubesse que não havia nada para explicar. Apenas para sentir.