O calor sufocante daquele início de tarde parecia refletir o clima dentro da pequena sala de aula da escola pública. Chris estava sentado em seu lugar, com a cabeça baixa, tentando prestar atenção no livro de matemática, mas seus pensamentos estavam longe dali. Ele sabia que, fora da escola, o mundo não parava. A vida na favela continuava com suas regras próprias, onde o tempo e as oportunidades tinham um ritmo diferente.
Ao seu lado, João parecia ainda mais distante. Fazia semanas que ele mal falava com Chris, e quando falava, era para se gabar das “novas amizades” que estava fazendo. Amizades que vinham carregadas de perigo. João havia começado a se envolver com o tráfico, uma escolha que pesava entre eles como uma sombra crescente.
— Você devia vir com a gente, Chris — João havia dito mais cedo naquele dia, encostado no muro da escola. — Dinheiro fácil. Não dá pra ficar nessa de sonhar com futebol pra sempre.
Chris não respondeu. O silêncio era sua única defesa contra a tentação. Ele sabia que João estava sendo puxado cada vez mais para dentro daquela vida, mas ele não podia segui-lo. O futebol ainda era sua única esperança, mesmo que parecesse um sonho distante. A decisão de ficar longe do crime estava clara para ele, mas os desafios dessa escolha estavam apenas começando.
Na escola, as brigas eram comuns. O ambiente tenso, misturado à frustração de uma educação precária, transformava pequenos desentendimentos em explosões de raiva. E naquela tarde, Chris foi arrastado para uma dessas explosões.
Tudo começou com um empurrão. Ele estava saindo da aula quando Luiz, um garoto mais velho e conhecido por andar com os traficantes locais, esbarrou nele de propósito. A violência no olhar de Luiz não era só física, ela era a marca de quem já tinha visto e feito coisas demais.
— Olha por onde anda, moleque! — gritou Luiz, empurrando Chris novamente.
Chris sentiu o sangue subir, o corpo reagindo antes mesmo da mente. Ele sabia que a última coisa que deveria fazer era entrar em uma briga, mas naquele momento, com todo o estresse acumulado, ele perdeu o controle. Ele não queria ser visto como fraco, e o olhar de desprezo de Luiz só piorava as coisas.
— Se liga, não foi por querer — Chris respondeu, tentando manter a calma, mas a voz saiu mais agressiva do que ele esperava.
Luiz riu, um riso debochado que parecia ecoar nas paredes da escola. Em um segundo, ele o empurrou de novo, mais forte dessa vez, e antes que Chris pudesse pensar, deu um soco. O som do impacto pareceu ecoar por toda a escola, atraindo uma pequena multidão de curiosos.
A briga estourou de verdade. Chris lutava para se defender enquanto Luiz avançava com golpes duros e descontrolados. O que começou como uma troca de palavras se transformou em uma confusão violenta. Professores correram para separar os dois, mas não antes que Chris sentisse o gosto metálico do sangue na boca. Luiz o empurrou uma última vez antes de ser arrastado para longe.
— Isso é o que dá andar com sonhador de favela. Não vai a lugar nenhum — gritou Luiz, ainda sendo contido, com o rosto distorcido de ódio.
Chris, ofegante e com o rosto inchado, limpou o sangue da boca e olhou para o chão, sentindo uma mistura de raiva e humilhação. Ele não queria aquela briga. Não queria fazer parte daquele ciclo de violência que parecia engolir todos ao seu redor. Mas, naquela tarde, foi impossível escapar.
De volta à favela, as coisas não estavam melhores. João havia se afastado ainda mais, passando horas com os meninos do tráfico, e Chris sabia que o amigo estava entrando em um caminho sem volta. As ofertas de dinheiro fácil e poder eram sedutoras demais para João, que começava a enxergar o futebol como uma ilusão distante.
— Você tá perdendo tempo, Chris. Aqui fora, é cada um por si. Futebol não vai pagar as contas. Vem comigo, é rápido, fácil, e você ainda ganha respeito — disse João, um cigarro pendendo dos lábios enquanto observava o movimento no beco.
Chris balançou a cabeça, o estômago revirando. Ele sabia que João acreditava no que dizia. Aquele caminho, o tráfico, oferecia uma saída imediata para a pobreza. Mas também era um beco sem saída. Chris não queria dinheiro rápido, não queria respeito conquistado com medo. Ele queria algo mais. Algo que parecia cada vez mais difícil de alcançar, mas que ele não podia deixar escapar.
— Eu não posso, João. Você sabe disso. Eu tenho que tentar o futebol — respondeu Chris, a voz baixa, mas firme.
João bufou, irritado, mas havia algo de triste no olhar dele. Ele queria que Chris estivesse ao seu lado, mas sabia que o amigo estava fazendo uma escolha diferente.
— Beleza, então. Boa sorte com essa tua bola. Mas, um dia, vai perceber que o mundo não tá esperando você vencer — João disse, jogando o cigarro no chão e se afastando.
Chris ficou sozinho, sentindo o peso da decisão que havia tomado. Ele sabia que, ao recusar o caminho fácil, estava se isolando. Os garotos da favela o veriam como fraco, e até mesmo João, seu melhor amigo, parecia estar indo para longe. A escolha pelo futebol o separava da realidade imediata ao seu redor, e isso o assustava. Ele estava resistindo à tentação do crime, mas também sabia que isso significava ficar sozinho em muitas batalhas.
O impacto de sua decisão não foi imediato, mas ao longo dos dias que seguiram, Chris sentiu o isolamento. João passou a evitá-lo completamente, e a amizade de infância que eles compartilhavam parecia apenas uma lembrança distante. Chris ainda jogava, ainda sonhava, mas agora, ao redor do campo de terra, havia menos risos e mais silêncio.
A vida na favela era assim, cheia de escolhas difíceis. E enquanto Chris tentava escapar do destino que prendia tantos de seus amigos, ele sabia que a luta não seria apenas no campo. A verdadeira batalha seria contra o peso da violência, da solidão e das tentações que rondavam sua vida todos os dias.