Pablo caminhava sem rumo, passando pelas coloridas barracas de doces de caveiras e pelos músicos de rua. Ele não estava mais indo ao cemitério para lamentar, mas para "sentir" o Dia de Muertos pela primeira vez em anos. Sentia-se estranhamente leve, como se tivesse transferido o peso da sua escuridão para o dragão de três cabeças que havia entregue a Isabel.
A multidão ao seu redor era uma maré vibrante de vida e lembrança. Pablo estava desorientado, observando as risadas e os trajes, mas sem conseguir se conectar a nada. Foi então que o chão pareceu sumir sob seus pés. Uma forte tontura o atingiu, seguida por uma sensação de frio intensa, como se o vento do inverno tivesse atravessado seu corpo.
Ele parou, ofegante, tentando se apoiar em uma parede. Em meio ao burburinho da festa, ele ouviu. Uma voz suave, mas firme e inconfundível. Uma voz que não ouvia há dois anos.
— Ay, mi niño. — A voz era de Doña Elena, e estava tão próxima que Pablo pensou que ela estava logo atrás dele. — ¡Por fin me dejas ir, corazón! Ya te tardaste, pero no te preocupes. Aquí la vida es diferente... pero no se acaba la alegría.
Pablo virou-se bruscamente, procurando por sua bisavó entre os rostos pintados de calavera e os sombreros. Não havia ninguém. A voz havia desaparecido tão rapidamente quanto surgira. Ele tremeu, mas não de medo. Uma imensa paz o invadiu, limpando a dor que o havia sufocado. A mensagem era clara, ainda que impossível: Doña Elena estava bem.
Enquanto isso, de volta ao mercado, Isabel havia retornado ao seu posto. Estava decidida a usar o alebrije cinzento na ofrenda improvisada para seu avô, junto aos tamales e à água fresca.
Ela colocou o dragão de três cabeças sobre a mesa. Ao examinar a asa quebrada, percebeu que a fissura não era apenas externa. Curiosa, ela forçou levemente a asa solta e encontrou um pequeno compartimento oco que Pablo, em seu trabalho frenético, havia esquecido de fechar ou selar.
Dentro, havia um pedaço de papel dobrado, amarelado pelo tempo, e uma velha moeda de prata polida, cunhada com o retrato de um antigo presidente e o valor de um peso.
Isabel abriu o bilhete com as mãos trêmulas. A caligrafia era firme e antiga, familiar.
— "Para el vocho de un buen hombre. Cuídalo, mija." — ela leu, sentindo um nó na garganta.
Ela pegou a moeda. Era uma moeda antiga, mais grossa e pesada do que as atuais. Correu para o bolso e tirou as notas amassadas que havia guardado. Com a moeda de prata, ela somou o total.
Os olhos de Isabel se arregalaram. A moeda era o exato valor que faltava para cobrir o custo adicional do conserto do vocho. Uma moeda antiga, com o peso de uma fortuna, que seu avô guardava. Ou, pensou ela, uma moeda colocada ali por alguém... alguém que finalmente a deixou ir.
Isabel olhou para o alebrije cinzento e, pela primeira vez, viu cor na escuridão da madeira. Ela correu para ligar para o mecânico. O milagre havia chegado.
