21 de novembro, 23h40
O cansaço é grande, mas a adrenalina não me deixa dormir. Hoje, finalizei os últimos detalhes da marcha. Meu coração está inquieto, não apenas pela responsabilidade, mas porque essa luta carrega o peso da memória de Camila.
Camila... não tem um dia que eu não pense nela. O sorriso fácil, os sonhos grandiosos, a força que parecia indestrutível. Ela me chamava de “Bela”, dizendo que meu nome era um reflexo da mulher que eu era.
Dois anos atrás, Camila foi tirada de nós de forma brutal. Outro nome em uma lista que nunca deveria existir, outra vida ceifada pelo ódio. Eu prometi que sua história não seria esquecida. Amanhã, vamos marchar por ela, e por todas as outras que não estão mais aqui para marchar conosco.
22 de novembro, 10h15
O sol já está alto, mas minha energia não diminuiu. Passei a manhã no centro da cidade, organizando faixas, ajustando o carro de som e verificando os discursos.
As pessoas começaram a chegar. Algumas, rostos conhecidos: membros da nossa ONG, amigos e ativistas de longa data. Outras, rostos novos, jovens trans cheios de esperança e determinação. Cada uma delas traz sua história, sua dor e sua resistência.
Enquanto converso com elas, sinto a força dessa comunidade. Somos diferentes, mas unidos por algo maior: a luta por dignidade, por direitos, por vida.
22 de novembro, 14h30
A marcha começou.
Eu caminhei na linha de frente, segurando a faixa com o nome de Camila e de outras mulheres trans que perdemos. Atrás de mim, dezenas, talvez centenas de vozes se uniam em gritos de luta.
“Por elas, por nós! A luta continua!”
Ao passar pela praça principal, as pessoas pararam para olhar. Alguns se juntaram a nós, outros apenas observavam, mas cada passo que dávamos parecia reverberar pela cidade.
22 de novembro, 16h45
Quando chegamos ao ponto final, diante do monumento da cidade, pedi o microfone. As palavras vieram com dificuldade no início, porque a emoção era grande.
“Hoje, marchamos por Camila, por todas as mulheres trans que tiveram suas vidas interrompidas pelo ódio. Marchamos porque existimos, porque resistimos, porque não vamos nos calar. Cada um de vocês aqui é prova de que nossa luta importa, de que nossa força não pode ser apagada.”
E então, comecei a cantar.
Era uma música que Camila adorava, que costumávamos ouvir juntas em tardes de risadas e confidências. A melodia encheu o ar, e, um a um, as pessoas começaram a me acompanhar. Era como se Camila estivesse ali, cantando conosco, sorrindo como sempre fazia.
22 de novembro, 22h20
Enquanto escrevo, sinto o peso do dia, mas também uma leveza no coração. A marcha foi mais do que um protesto; foi uma celebração da nossa existência, uma prova de que continuaremos lutando, não importa o quão difícil seja.
Camila, minha amiga, essa marcha foi por você.
E por todas nós.