Capítulo 4 - O Amargo Exílio Europeu (Meados de 1969)

CAPÍTULO 4


 A jornada para o outro continente não teve a pressa desesperada da fuga inicial, mas carregava, por outro lado, o peso da renúncia definitiva. Nosso passaporte era uma farsa: documentos falsos, nomes inventados (uma vida emprestada). O objetivo final era Paris, um centro tradicional de refúgio para intelectuais e ativistas de todo o globo, mas a escala nos permitiu um breve respiro no Chile. Em Santiago, a política ainda se debatia num resquício de democracia, um contraste gritante com a linha dura que se instalava no Brasil, mas sabíamos que era apenas uma pausa. A ameaça do General Pinochet ainda estava no futuro, mas a instabilidade era palpável.

O exílio, meu amigo, é uma experiência curiosa: a dor lancinante da ausência é compensada pela inédita segurança de poder dizer seu nome sem temer a carceragem. Não tínhamos mais que olhar por sobre os ombros a cada esquina. Adauto, com sua paixão pelas letras, mergulhou nos estudos na Sorbonne, um refúgio intelectual que o permitia manter a sanidade. Eu me dedicava, teimosamente, a enviar artigos para jornais na Europa e na América Latina, mantendo vivo o nosso compromisso: testemunhar, sob pseudônimo, o que o regime tentava sufocar através da censura e da violência. Éramos exilados, sim, mas a caneta e o papel nos garantiam que não estávamos silenciados.

O ano de 1969 avançava, e as notícias do Brasil eram como ferro em brasa. A ditadura seguia sem trégua. Lembro-me claramente do dia em que recebemos a lista oficial de banidos e cassados, gente do quilate do nosso antigo professor, Darcy Ribeiro, e de tantos outros. A sensação de que o regime não perdoava ninguém era esmagadora e dava a dimensão do nosso isolamento.

— Mathias — disse Adauto, lendo a lista, com a voz embargada pela mágoa e pela injustiça. — Eles tentam nos apagar da história. Nos tirar a voz, a cátedra, o lugar.

Olhei para o colega e para a nossa pequena máquina de escrever, nossa arma na trincheira da informação.

— Não conseguirão. O preço da liberdade foi o nosso exílio, Adauto, a nossa pátria emprestada, mas o nosso ofício agora é a memória. E essa, meu amigo, eles não podem cassar. Enquanto estivermos vivos, e escrevendo, o Brasil saberá.

Nossa vida europeia se tornou uma espera longa e amarga. Vimos a Copa de 70 ser usada como propaganda, o tal "Milagre Econômico" que não chegava ao povo. Nossos dias eram pontuados pelas notícias de casa e pela saudade que, dizem os poetas, só afeta quem ama de verdade o lugar de onde foi expulso. Aguardávamos, então, o dia em que o Brasil se tornaria, outra vez, um lugar possível. E por esse dia, valia a pena viver no exílio.