Capítulo 4: O Dia do Impacto

 A manhã de segunda-feira, 29 de agosto de 2005, chegou como um rugido em Nova Orleans. Patrícia acordou antes das seis, o corpo pesado de uma noite quase sem sono. O rádio, que ela deixara ligado no canto da sala, gritava em pânico: "O Furacão Katrina atingiu a costa às 6h10, perto de Buras, com ventos de 225 quilômetros por hora. Os diques estão sob pressão extrema." Ela correu para a janela da casa no Lower Ninth Ward, o vidro tremendo com rajadas que dobravam as árvores como palitos. O céu era uma massa negra, e a rua já tinha poças que cresciam rápido demais.


Jotinha ainda dormia no colchão, o carrinho de brinquedo apertado contra o peito. Patrícia o sacudiu com cuidado, o coração disparado.

— Jotinha, acorda, meu bem — disse ela, a voz rouca. — A gente precisa se mexer.
Ele abriu os olhos, confuso, e sentou-se, esfregando o rosto.

— Tá barulho lá fora, mãe. É o furacão?

— É, filho — respondeu ela, puxando-o para perto. — Tá aqui agora.

Carlos não tinha aparecido. Às seis da tarde do dia anterior, Patrícia esperara até o último segundo, o Chevy Caprice com o motor ligado na frente da casa. O rádio avisara que o Katrina estava a horas de distância, e o French Quarter já esvaziava. Mas o telefone continuou mudo, e ela não podia mais arriscar. Com Jotinha choramingando no banco de trás, ela dirigira até a esquina e voltara, o peso da escolha esmagando-a. Agora, enquanto o vento uivava, ela se perguntava onde ele estava – ainda no Preservation Hall? Preso no trânsito? Ou pior?

Não havia tempo para pensar. Patrícia correu para a cozinha, pegando a mochila com comida e a lata de café com os 82 dólares. O barulho lá fora era ensurdecedor – telhas voando, galhos batendo nas paredes. Ela vestiu Jotinha com um casaco leve e calçou os próprios tênis, mas antes que pudesse abrir a porta para o carro, um estrondo sacudiu a casa. A água começou a vazar pelas frestas do assoalho, fria e escura, subindo rápido demais.

— Mãe! — gritou Jotinha, apontando para os pés, onde a água já lambia seus tornozelos.

— Calma, vem comigo! — ordenou Patrícia, pegando-o no colo e correndo para a sala.

O rádio chiou uma última vez antes de silenciar: "O dique Industrial Canal rompeu às 9h. O Lower Ninth Ward está inundando." Ela olhou para a porta da frente – o Chevy estava perdido, a rua agora um rio marrom que engolia tudo. Não havia saída. Com Jotinha nos braços, ela subiu as escadas estreitas para o sótão, o coração na garganta. A água rugia lá embaixo, estourando janelas e arrastando móveis.

No sótão, o teto baixo os forçava a se curvar. Patrícia empurrou Jotinha para um canto seco, onde tábuas velhas e caixas empilhadas formavam um abrigo improvisado. O menino tremia, os olhos arregalados.

— Tá tudo bem, Jotinha — disse ela, abraçando-o enquanto a casa rangia. — A gente vai ficar aqui até passar.

— E o tio Carlos? — perguntou ele, a voz quase sumindo no barulho.

— Ele... ele vai ficar bem — mentiu Patrícia, apertando-o mais forte. — Ele sabe se cuidar.

Enquanto isso, no French Quarter, Carlos acordava com o chão tremendo. Ele passara a noite no bar ao lado do Preservation Hall, depois que o show terminara às cinco da tarde do domingo. O produtor de Memphis nunca apareceu – fugira com os primeiros ventos –, e Carlos ficara bebendo com os músicos, convencido de que o furacão não seria tão ruim. Agora, às 6h30, o Katrina provava o contrário. O barulho das janelas quebrando o tirou do torpor, e ele correu para o segundo andar com os outros, o estojo do saxofone agarrado ao peito.

— Meu Deus, o que tá acontecendo? — gritou um dos garçons, enquanto a água começava a subir na rua lá fora.

Carlos olhou pela janela quebrada. O French Quarter, mais alto que o Lower Ninth Ward, ainda resistia, mas as ruas estreitas viravam canais. Ele pegou o celular – sem sinal. Tentou imaginar Patrícia e Jotinha no carro, a caminho de Baton Rouge, mas uma pontada de culpa o atingiu. Ela pedira para ele ir. E ele ficara.

— Eu devia ter ido com ela — murmurou, o saxofone pesado em suas mãos.
No sótão do Lower Ninth Ward, Patrícia ouvia a água engolir a casa. O nível subia devagar agora, mas o som era aterrorizante – um ronco constante, misturado com gritos distantes de vizinhos. Ela segurava Jotinha, cantando baixinho uma música que ele gostava, "This Little Light of Mine", para abafar o medo. O teto tremia com o vento, mas aguentava. Por enquanto, eles estavam vivos. Mas Carlos? Ela fechou os olhos, rezando para que ele tivesse encontrado um lugar seguro.

O Katrina atingiu a costa às 6h10 em 29 de agosto, perto de Buras, Louisiana, como categoria 3 (após enfraquecer de 5). O dique Industrial Canal rompeu por volta das 9h, inundando o Lower Ninth Ward com até 3 metros de água em horas. O French Quarter, por ser mais elevado, sofreu menos inundações iniciais.