O vento quente do Sertão do Sol soprou forte naquele dia, mas algo no ar parecia diferente. Ao invés de levar embora a esperança, como a seca fazia com as plantações, aquele vento parecia trazer um sopro de vida. Algo estava prestes a acontecer, algo grande e simples ao mesmo tempo. O esforço que começou pequeno, com minha ideia e a ajuda de uns amigos, agora estava tomando uma proporção que eu não imaginava.
A praça, que costumava ser o coração pulsante da cidade durante o Natal, estava mais viva do que nunca. À medida que os moradores começaram a se reunir, o ambiente parecia se transformar. O presépio que João estava montando, com madeira simples, ganhava forma aos poucos. Cada pedaço de madeira que ele cortava era uma peça que contava uma história – a história de como, mesmo na seca, nós éramos mais fortes do que qualquer adversidade.
Enquanto isso, Dona Tereza trabalhava com suas mãos habilidosas, fazendo os últimos ajustes nas roupas. Os anjos de tecido começavam a brilhar com suas cores vibrantes, e as túnicas dos pastores, feitas de retalhos, pareciam contar mais sobre o verdadeiro espírito do Natal do que qualquer traje caro. Era como se cada ponto de costura tivesse um pedaço da nossa fé costurada ali.
– Ana, olha isso! – Dona Tereza exclamou, mostrando uma túnica azul que ela acabara de terminar. Essa cor vai fazer o céu brilhar, minha filha!
Eu sorri, com o coração cheio de gratidão.
– Ficou maravilhosa, Dona Tereza. Vai ser a luz de todos nós nesse Natal!
E não era só o presépio e os figurinos que estavam tomando forma. A cidade inteira estava se unindo para transformar a praça em um lugar mágico. As crianças estavam animadas, ensaiando as músicas de Natal sob o comando de Luana, nossa professora de música, que, com seu jeito doce, ensinava as notas com paciência. As vozes, que antes estavam abafadas pela tristeza, agora se levantavam, cheias de alegria. As crianças de Sertão do Sol, com seus rostos suados e pés descalços, estavam ensaiando as canções que aqueceriam a noite de Natal.
– Canta com a gente, Ana! – disse Guilherme, meu amigo mais novo, enquanto estendia a mão para me puxar para o meio do grupo.
Eu ri, um pouco envergonhada, mas a verdade é que não podia deixar de cantar com eles. Aquela era a nossa maneira de resistir, de dizer que, mesmo em tempos difíceis, ainda havia espaço para o brilho da alegria.
– Eu não canto tão bem quanto vocês, mas vou tentar! – disse, com um sorriso sincero.
A praça estava cheia de movimento. João, com a ajuda de alguns jovens da cidade, montava o presépio. Eles ajustavam os postes de madeira, que formavam as casas simples de Belém, e cada um contribuía com um pouco de sua própria história. Algumas palmeiras, que Sacha trouxe de sua fazenda, estavam sendo colocadas ao redor, como se o deserto se misturasse com a nossa fé. Até os animais, que antes eram apenas sombras na mente de todos, começaram a tomar forma. As figuras de barro e madeira que João esculpia se tornavam parte do espetáculo.
E não eram só os adultos que trabalhavam. As crianças estavam por toda parte, correndo e trazendo flores do campo, ajudando a decorar os postes de luz com fitas coloridas e até desenhando com carvão na areia da praça. Até os mais velhos, que passavam o dia na sombra das árvores, começaram a sair de suas casas e deram sua contribuição. “Cada um faz o que pode”, diziam, e de repente, ninguém mais parecia estar sozinho nesse esforço.
– Vai dar certo, Ana... o povo está animado, – disse Sacha, enquanto pegava as últimas palmeiras e começava a colocar mais uma à frente do presépio. – Olha ao redor... o Natal está chegando com força. Nunca vi essa praça tão cheia de vida!
Eu olhei ao redor e vi, pela primeira vez em muito tempo, algo que parecia mais forte que a seca, mais forte que qualquer tristeza. Era a esperança.
Até o velho Guilherme, que sempre gostava de reclamar das dificuldades, estava sorrindo enquanto ajudava a montar as caixas de presente, que seriam distribuídas entre os mais necessitados, com o pouco que cada um conseguiu contribuir. Não era muito, mas era o suficiente. E isso me fez pensar que o Natal, de fato, estava ali: não nas grandes celebrações, mas em cada pequeno gesto de carinho, em cada pessoa que colocou um pedacinho de sua alma para fazer a diferença.
Quando os ensaios das crianças terminaram, eu me juntei a eles, e todos se alinharam na praça. Era como se, em cada nota, em cada palavra, a cidade se unisse em uma só voz, em uma só fé. A tristeza que tomava conta de Sertão do Sol parecia estar indo embora, substituída por algo muito mais forte: a união de todos para uma causa maior.
– Vamos lá, pessoal! O Natal não é sobre o que temos, mas sobre o que somos juntos! – disse Luana, a professora, com um sorriso no rosto.
E, naquele momento, não importava que a cidade estivesse enfrentando a maior seca da história. O que importava era que Sertão do Sol estava mais viva do que nunca, e o Natal seria nosso, não porque tínhamos tudo o que queríamos, mas porque sabíamos que tínhamos tudo o que precisávamos: uns aos outros.
A praça, que antes estava vazia, agora era o cenário perfeito para a maior história de todas: a história da união, da fé e do verdadeiro espírito do Natal.
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