
Jair Bolsonaro nunca esteve sozinho em sua cruzada contra a ciência durante a pandemia da Covid-19. Ele contava com uma base de apoiadores que, influenciados por sua retórica negacionista, viam as medidas de contenção como uma ameaça à liberdade e à economia. Produções conservadoras, como o documentário 7 Denúncias: As Consequências do Caso Covid-19, da Brasil Paralelo, reforçaram essa visão, defendendo que o isolamento social era desnecessário e que o Brasil precisava "voltar ao normal". Mas essa narrativa, alimentada pela ideologia bolsonarista, não apenas distorceu a realidade — ela custou vidas. Ignorar as medidas de isolamento contribuiu para milhares de mortes, e a ideia de que a economia poderia ser mais importante do que a vida humana revelou-se um erro trágico. Este capítulo examina como o "vírus político" do bolsonarismo infectou a sociedade, levando milhões a perderem a noção do que realmente estava em jogo.
Desde o início da pandemia, Bolsonaro deu o tom para seus apoiadores. Em 15 de março de 2020, apenas quatro dias após a OMS declarar a pandemia, ele participou de uma manifestação pró-governo em Brasília, ignorando as recomendações de distanciamento social. Milhares de brasileiros, vestidos de verde e amarelo, seguiram seu exemplo, lotando ruas em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, mesmo com o cancelamento oficial dos atos. Para eles, Bolsonaro era um símbolo de resistência contra o que chamavam de "exagero" das medidas de contenção. Governadores e prefeitos, como João Doria, de São Paulo, e Wilson Witzel, do Rio de Janeiro, que implementaram lockdowns para salvar vidas, foram vistos como vilões que "paralisavam o país". Mas essa visão, alimentada pelo discurso de Bolsonaro, ignorava uma verdade fundamental: o isolamento social era a única ferramenta disponível na época para conter o vírus, em um momento em que não havia vacinas ou tratamentos eficazes.
Os apoiadores de Bolsonaro continuaram a se reunir ao longo da pandemia, mesmo nos momentos mais críticos. Em abril de 2021, quando o Brasil registrava mais de 4 mil mortes diárias, manifestações pró-governo ainda aconteciam em cidades como Brasília e São Paulo. Muitos participantes, influenciados pelo exemplo de Bolsonaro, não usavam máscaras e desdenhavam das recomendações científicas. Políticos aliados, como os deputados federais Paulo Eduardo Martins e Luiz Philippe de Orléans e Bragança, amplificaram essa narrativa. Martins usou suas redes sociais para afirmar que "o Brasil não pode parar por causa de um vírus", enquanto Orléans e Bragança defendeu a ideia de imunidade de rebanho, sugerindo que a exposição ao vírus era a melhor forma de proteger a população. Essa visão, no entanto, era uma ilusão perigosa. A OMS e especialistas como a infectologista Natalia Pasternak alertaram que a imunidade de rebanho, sem vacinas, poderia custar milhões de vidas. No Brasil, o resultado foi trágico: o vírus se espalhou descontroladamente, e o país acumulou 700 mil mortes até o final de 2022.
A produção 7 Denúncias: As Consequências do Caso Covid-19, lançada pela Brasil Paralelo em 2020, é um exemplo claro de como a ideologia bolsonarista distorceu a realidade. O documentário argumenta que o isolamento social causou mais danos do que benefícios, apontando os impactos econômicos do fechamento de comércios e escolas. Ele cita dados do IBGE, como a taxa de desemprego que subiu para 14,2% em 2020, a maior desde 2012, e os 5 milhões de crianças e adolescentes que ficaram sem acesso à educação durante o auge do isolamento. "Todo trabalho é essencial", afirma a produção, sugerindo que governadores e prefeitos eram os verdadeiros responsáveis pela crise, e não Bolsonaro. O documentário também questiona a ciência, alegando que "ser imparcial não é a regra entre cientistas", e defende o uso de medicamentos como a hidroxicloroquina (comprovado como ineficaz na luta contra a COVID-19), ecoando o discurso do presidente. Para os apoiadores de Bolsonaro, 7 Denúncias parecia uma validação de suas crenças — mas, na verdade, era uma distorção perigosa dos fatos.
A realidade é que o isolamento social salvou vidas, e os dados comprovam isso. Estudos publicados em revistas como Nature e The Lancet mostram que o distanciamento social foi eficaz para reduzir a transmissão do vírus, especialmente em países como a Nova Zelândia, que controlou a pandemia com medidas rigorosas. No Brasil, cidades que adotaram lockdowns mais rígidos, como Araraquara, em São Paulo, conseguiram reduzir significativamente o número de casos e mortes em 2021, segundo dados da Secretaria de Saúde do estado. Em Araraquara, um lockdown de 10 dias em fevereiro de 2021 reduziu a ocupação de UTIs de 100% para 60% em menos de duas semanas, evitando um colapso no sistema de saúde. Ignorar essas medidas, como fizeram Bolsonaro e seus apoiadores, teve um custo humano devastador. O epidemiologista Pedro Hallal, em depoimento à CPI da Covid em 2021, estimou que 400 mil das 500 mil mortes até junho daquele ano poderiam ter sido evitadas com uma gestão mais eficiente, incluindo a adesão ao isolamento social e a aceleração da vacinação.
A ideia de que a economia deveria ser priorizada sobre a vida humana, defendida por Bolsonaro e seus aliados, revelou-se um erro trágico. Sim, o isolamento teve impactos econômicos significativos — o desemprego e a evasão escolar são problemas reais que precisam ser enfrentados. Mas a economia não pode prosperar sem pessoas vivas para sustentá-la. Cada uma das 700 mil mortes no Brasil representava uma família destruída, um trabalhador que não voltaria ao mercado, um estudante que não retornaria à escola. A visão bolsonarista, que colocava o "direito de trabalhar" acima do direito à vida, ignorava essa verdade básica. E, pior, ela foi alimentada por desinformação: a hidroxicloroquina, defendida pela Brasil Paralelo e por Bolsonaro, foi descartada como tratamento eficaz pela OMS e por estudos clínicos randomizados, que mostraram que o medicamento não reduzia a mortalidade e podia causar efeitos colaterais graves, como arritmias cardíacas. Mesmo assim, a ideologia bolsonarista levou milhões a acreditarem que o remédio era uma "cura", enquanto o verdadeiro caminho — a ciência e as vacinas — era sabotado pelo próprio presidente.
A ideologia bolsonarista, com seu discurso de "liberdade" e "volta ao normal", fez com que muitas pessoas perdessem a noção da realidade. Influenciados por falas como "chega de frescura, de mimimi", dita por Bolsonaro em março de 2021, os apoiadores do presidente passaram a ver o vírus como uma ameaça menor, e as medidas de contenção como uma conspiração. Essa distorção da realidade transformou o negacionismo em um "vírus político" que se espalhou tão rápido quanto o SARS-CoV-2. Enquanto o Brasil se tornava o epicentro global da pandemia em 2021, com a variante P1 se espalhando a partir de Manaus, os apoiadores de Bolsonaro continuavam a se aglomerar, a rejeitar máscaras e a desdenhar da ciência. O resultado foi um aumento exponencial de casos e mortes, que poderiam ter sido evitados se o país tivesse seguido as recomendações científicas em vez de se render à ilusão bolsonarista.
O bolsonarismo, com sua mistura de negacionismo e polarização, não foi apenas uma visão política — foi uma força que infectou a sociedade, dividindo o Brasil em um momento em que a união era mais necessária do que nunca. A ideia de que a economia era mais importante do que a vida humana, e de que o isolamento era uma "ditadura sanitária", não passava de uma ilusão perigosa, alimentada por um líder que se recusava a liderar. O verdadeiro custo dessa ilusão não está nos números do desemprego ou da evasão escolar, mas nas 700 mil vidas perdidas — muitas das quais poderiam ter sido salvas se o Brasil tivesse escolhido a ciência em vez da ideologia. O "vírus político" do bolsonarismo deixou um legado de dor e divisão, provando que a desinformação pode ser tão letal quanto qualquer pandemia.