A confirmação da gravidez transformou o medo em uma realidade amarga e incontestável. O segredo, pesado e opressor, era um fardo que as três amigas carregavam juntas, mas a cada dia, ele parecia pesar mais. A fachada de normalidade na escola era difícil de manter. Enquanto outros alunos riam e conversavam sobre os últimos acontecimentos, as Anas viviam em uma bolha de ansiedade. Ana Beatriz e Ana Catarina faziam o possível para ajudar Ana Júlia a não perder o ano letivo, revezando-se nos horários de estudo, mas a concentração de Ana Júlia se esvaía a cada minuto que passava. O olhar dela, antes tão vivo, agora parecia distante, focado em algo que só ela via: o medo.
— Júlia, você tem que comer alguma coisa. — insistiu Ana Catarina, em uma tarde no refeitório, empurrando uma fatia de pizza para a amiga, que mal havia tocado no prato.
— Não consigo, Cat. Meu estômago está embrulhado só de pensar. O que eu vou fazer? — Ana Júlia sussurrou, a voz fraca e trêmula.
— A gente vai descobrir. Juntas. — respondeu Ana Beatriz, com uma calma que não sentia. — O que a gente precisa agora é de um plano.
O pânico de Ana Júlia era palpável. O medo de ser a filha que mancharia a reputação do pai, o vice-prefeito João Carneiro Monteiro, a consumia. Ela imaginava as manchetes de jornais, os sussurros na sociedade e, acima de tudo, a decepção no rosto de seu pai.
— Vocês não entendem... A vida dele é política. A minha vida é um projeto para ele. — ela desabou, com lágrimas escorrendo pelo rosto. — Ele vai me odiar.
— O pai de qualquer uma de nós ficaria chocado, Júlia. Mas você não está sozinha. Seus pais te amam. — disse Ana Catarina, tentando ser otimista.
— O meu pai, talvez. Mas o seu? E o vice-prefeito? Acha que ele vai pensar assim? — Ana Beatriz questionou, com um tom mais realista. — Ele vai pensar na imagem, na eleição, na carreira dele.
Em uma tarde na pequena sala de estar da casa de Ana Beatriz, a realidade parecia ainda mais opressiva. A simplicidade do ambiente e o luxo da casa de Ana Júlia eram contrastantes, mas a ansiedade delas era a mesma.
— Eu não posso fazer isso sozinha. — Ana Júlia disse, quebrando um longo silêncio, a voz carregada de desespero.
Ana Beatriz, com sua maturidade forçada pela vida, a confortou.
— E você não vai. A gente está aqui, por mais que não saibamos o que fazer.
— Mas o que a gente vai dizer? Como a gente vai explicar? — Ana Catarina questionou, a tensão evidente em sua fala. — "Oi, pai, oi, mãe, a gente foi em uma festa e..."
Ana Júlia fechou os olhos, tentando se concentrar. A respiração ofegante era a única resposta que podia dar naquele momento.
— Não sei. Mas temos que tentar. — ela finalmente falou, com uma firmeza que surpreendeu as amigas. — Se a gente não fizer nada, vai ser pior. Vão descobrir de um jeito ou de outro, e eu prefiro que seja por mim. Por nós.
Com essa decisão, o foco da conversa mudou. O desespero deu lugar a um plano, por mais frágil que fosse. Elas discutiram como contar aos pais de Ana Júlia.
— O melhor é ir direto ao ponto. Sem enrolação. — sugeriu Ana Beatriz. — A gente chega lá, senta com eles na sala e diz tudo de uma vez.
— E se eles me expulsarem de casa? E se meu pai me deserdar? — Ana Júlia perguntou, o medo voltando a se manifestar.
— Não vão. E se o fizerem, a gente te acolhe. Você pode morar aqui em casa por um tempo. — disse Ana Beatriz, fazendo a oferta mais sincera que podia.
A ideia, por mais assustadora que fosse, deu um pingo de esperança a Ana Júlia. Elas continuaram a planejar: quem falaria primeiro, como reagiriam a possíveis perguntas, e até mesmo pensaram em um plano de fuga, caso as coisas ficassem realmente ruins. A união delas era a única coisa que as mantinha firmes. A cada passo que davam em direção àquela conversa difícil, o dilema de Ana Júlia se tornava um alerta silencioso. Era um lembrete de que a vida podia mudar em um instante, independentemente da criação, da religião ou da condição social. A vulnerabilidade era universal, e o medo, uma lição que elas jamais esqueceriam.