Capítulo 4: O Skatista de Curitiba

 Pedro, 14 anos, sentia o vento frio de Curitiba cortar o rosto enquanto descia a rua com o skate. O barulho das rodinhas no asfalto era a única coisa que o fazia esquecer o peso do dia. Ele morava num prédio simples no bairro Água Verde, mas passava mais tempo nos parques e praças da cidade do que em casa. O skate era seu escape — da escola chata, das brigas dos pais, de tudo.


Naquela tarde, ele foi pro Passeio Público, o point dos skatistas da cidade. O sol estava baixo, tingindo o lago de laranja, e um grupo de garotos mais velhos fazia manobras na pista improvisada. Pedro ficou de lado, só olhando, o boné virado pra trás e as mãos no bolso. Queria tentar um ollie decente, mas o medo de cair na frente deles travava as pernas.

— Ei, moleque! — gritou um dos caras, um tal de Thiago, com cabelo descolorido e tatuagem no braço. — Tá só de enfeite aí? Vem dropar!

Pedro engoliu seco, o coração acelerando.

— Eu... não sei se consigo — murmurou, quase inaudível.

— Claro que consegue! — disse uma voz mais leve. Era Ana, a única menina do grupo, com o skate coberto de adesivos. — Todo mundo cai no começo. Vem!

Ele respirou fundo e subiu na rampa. O primeiro drop foi um desastre: o skate voou pra um lado, e ele caiu de bunda no chão. A risada dos outros ecoou, mas Ana correu pra ajudar.

— Tá vivo, novato? — perguntou ela, rindo, mas sem maldade. — Levanta e tenta de novo.

Pedro tentou. E caiu. Tentou mais uma vez. E caiu de novo. Mas na quarta tentativa, o skate ficou sob os pés, e ele desceu a rampa inteira. Não foi perfeito, mas o grito de “É isso aí!” do Thiago fez ele sorrir pela primeira vez em dias.

Naquela semana, soube de uma competição underground no estacionamento de um mercado abandonado. Era coisa simples, organizada pelos skatistas da cidade, mas pra Pedro parecia o campeonato mundial. Ele decidiu ir, mesmo com a voz do pai ecoando na cabeça.

— Skate não é vida, Pedro — disse o pai na noite anterior, enquanto via TV. — Para de perder tempo e estuda.

— Eu estudo, pai — respondeu ele, baixo. — Mas eu gosto disso.

O pai só grunhiu, e Pedro saiu pro quarto, o skate na mão como um escudo.

No dia da competição, o lugar estava lotado. Música alta, cheiro de spray de tinta e o som das rodinhas enchiam o ar. Pedro viu Ana e Thiago na multidão e se juntou a eles. Quando chegou sua vez, as mãos suavam tanto que ele quase desistiu. Mas aí olhou pros amigos novos, que gritavam o nome dele, e subiu na rampa.

O drop saiu torto, mas ele segurou. Tentou um kickflip e caiu feio, o joelho ralando no chão. A plateia fez um “oooh”, e Pedro sentiu o rosto queimar. Quis correr dali, mas Ana apareceu do nada.

— Levanta, Pedro! — gritou ela. — Tu já tá aqui, agora vai até o fim!

Ele levantou, limpou o sangue do joelho e tentou de novo. Dessa vez, o kickflip saiu — meio desajeitado, mas saiu. A galera aplaudiu, e Thiago deu um tapa no ombro dele.— Tá no sangue, moleque! — disse, rindo.

Pedro não ganhou nada, mas quando voltou pra casa, o peito estava leve. Naquela noite, sentou na varanda do prédio, o skate ao lado, olhando as luzes de Curitiba. O pai passou por ali, parou e ficou quieto por um segundo.

— Te vi no vídeo que teu amigo mandou — disse, por fim. — Até que não é ruim.

Pedro olhou pra ele, surpreso.

— Sério?

— Sério — respondeu o pai, com um meio sorriso. — Mas não larga a escola, hein?

— Não largo — prometeu Pedro, sorrindo de volta.

Curitiba, com suas rampas e seus dias frios, tinha dado a ele mais do que manobras. Tinha dado amigos, um lugar pra chamar de seu e, quem sabe, um pedaço de coragem pra ser quem ele queria.