Depois do fim com Antonela, eu me joguei na oficina como nunca. A sensação de vazio era esmagadora, e a única coisa que parecia fazer sentido era trabalhar na Salva. Mexer em cada detalhe dela, trocar peças, ajustar os mínimos parafusos... de alguma forma, era como se, ao consertar o carro, eu estivesse tentando consertar a mim mesmo.
Passava horas ali, em silêncio, só eu e a saveiro. Comecei a notar coisas que antes passavam despercebidas. O som suave do motor quando eu ajustava o escapamento, o brilho da pintura quando a luz do fim da tarde batia. Cada pequeno detalhe me dava um certo conforto. A Salva sempre esteve ali, desde antes de Antonela, e agora, ela era a única coisa que me ajudava a seguir em frente.
Comecei a fazer algumas mudanças na Salva. Tinha algo simbólico nisso, como se, ao dar uma nova cara para o carro, eu estivesse renovando uma parte de mim. Troquei as rodas, coloquei um novo jogo de pneus, rebaixei um pouco mais a suspensão. Cada escolha refletia um pedaço da minha dor, mas também minha tentativa de seguir adiante.
Eu queria que ela ficasse perfeita. A pintura preta, que sempre foi meu orgulho, ganhou novos detalhes. Fiz questão de aplicar um brilho metálico, algo que destacasse cada curva quando a luz batesse. As faixas discretas nas laterais deram um toque especial, como se a Salva estivesse dizendo ao mundo que estava pronta para recomeçar, assim como eu tentava fazer.
Enquanto trabalhava na Salva, percebia o quanto aquilo era mais do que simples ajustes. Cada peça trocada era uma parte da minha alma que eu estava reconstruindo. Quando instalei o novo sistema de som, foi como se estivesse tentando trazer de volta a música para a minha vida, algo que parecia ter desaparecido com o fim de Antonela. A cada rotação que ajustava no motor, eu sentia que algo em mim também estava voltando ao ritmo.
E assim, a Salva foi mudando, ganhando novas cores, novos detalhes, enquanto eu também mudava por dentro. Ela sempre foi uma extensão de mim, mas agora, mais do que nunca, eu via como o processo de customizar o carro refletia minhas próprias tentativas de me reencontrar. Cada ajuste, cada modificação, era um lembrete de que a vida segue, mesmo depois das maiores perdas.
Meus amigos, claro, notaram essa minha obsessão renovada pela saveiro. Gabriel, sempre com aquele jeito de quem já passou por coisa parecida, dizia que o carro era minha "terapia ambulante". Brendon me ajudava com as partes mais complicadas, sempre inventando uma desculpa para testar a Salva na estrada. Henrique, o perfeccionista, sugeria novos upgrades, como se estivesse montando o quebra-cabeça perfeito. Ney, como sempre, fazia piada de tudo. "Cara, você tá deixando essa saveiro mais bonita que qualquer namorada que já teve!"
E, para ser honesto, ele não estava tão errado. A Salva estava ficando espetacular. Cada detalhe estava ali por um motivo, cada peça tinha uma história. Mas, mais do que isso, o carro era um reflexo do que eu estava me tornando. Ela não era apenas uma saveiro rebaixada; era minha companheira de batalha, minha forma de lidar com a dor e o vazio.
O mais curioso é que, conforme o carro ia ficando pronto, eu também ia me sentindo mais inteiro. Comecei a perceber que a dor que eu estava carregando por Antonela não era apenas sobre ela. Era sobre tudo que eu achava que deveria ter sido, sobre as expectativas que eu criei, sobre a versão de mim mesmo que eu estava tentando ajustar.
A Salva me ajudou a enxergar que não era sobre consertar o que deu errado com Antonela, mas sim, sobre consertar o que estava quebrado dentro de mim. Assim como no carro, alguns ajustes eram simples: trocar uma peça, apertar um parafuso solto. Mas outros eram mais profundos, exigiam tempo e paciência. Era preciso desmontar tudo, olhar as partes e decidir o que manter, o que substituir.
Eu sabia que não seria fácil, mas a oficina e a Salva me ensinaram algo importante: nem tudo precisa voltar a ser como era antes. Às vezes, o melhor é criar algo novo, algo que seja uma mistura do que fomos e do que estamos nos tornando.
E assim, enquanto a Salva ganhava nova vida, eu também estava me redescobrindo. O carro, que sempre foi parte da minha identidade, agora era mais do que isso. Ela era o símbolo de um recomeço. De que, por mais dolorosas que sejam as curvas na estrada da vida, sempre podemos ajustar o caminho e seguir em frente.
A Salva era tudo. E, aos poucos, eu estava começando a entender o que isso realmente significava.
0 Comentários