Capítulo 4 – Um alien chamado Dehr

 O céu permanecia coberto por nuvens espessas, como se a Terra estivesse de luto. Antônio, David e Laura avançavam com cautela pelas ruínas de um supermercado, vasculhando as prateleiras caídas em busca de qualquer item útil. Uma lata de feijão amassada. Três velas intactas. Um isqueiro quase seco. Era o suficiente para mais uma noite.

Foi quando Laura parou de repente.

— Ouviram isso?

David ergueu o rifle, os olhos atentos.

— Veio dos fundos. Passos... ou algo parecido.

Antônio fez um gesto com a mão, indicando silêncio absoluto. Os três se moveram lentamente até o corredor dos refrigerantes. Um som metálico. Depois, uma sombra.

E então, ele apareceu.

A pele era pálida e cintilante, os olhos grandes e negros. A cabeça oval lembrava os clássicos descritos em teorias conspiratórias. Mas diferente dos Alpha-Draconianos, este ser não era hostil. Estava de joelhos, as mãos erguidas.

— Não atirem — disse ele, numa voz rouca, com sotaque carregado, mas... em português.

Os três recuaram meio passo, perplexos.

— Que diabos...? — murmurou David.

— Meu nome é Dehr — continuou o alienígena. — Não quero guerra.

Antônio manteve o rifle firme, a mira apontada direto entre os olhos da criatura.

— Como sabe nossa língua?

— Estudei vocês. Durante anos. Antes da invasão.

— Isso aqui é uma armadilha? — perguntou Laura, os dentes cerrados.

— Não. Eu... desertei dos Agharianos.

— Agharianos? — indagou David.

— A raça dominante. Os Alpha-Draconianos são os soldados. Mas há divisões internas. Conflitos de pensamento. Nem todos nós concordamos com a escravização da humanidade.

Antônio estreitou os olhos.

— Por que desertaria agora?

Dehr abaixou a cabeça.

— Porque estou cansado da dor que causamos. Porque vi humanos morrendo em silêncio. Porque um deles me salvou, mesmo quando eu deveria matá-lo.

— Mentira conveniente — rosnou Antônio.

— Entendo sua desconfiança. Mas se me deixarem viver... posso ajudar. Tenho informações. Conheço o protocolo dos chips. Sei onde estão os núcleos secundários. E... — ele hesitou — sei quem é Augusto.

O nome bateu no peito de Antônio como um soco.

— O que sabe sobre meu filho?

— Ele foi capturado há três semanas. Está na Zona Vermelha 7, sob vigilância direta de um comandante. Mas... ainda há humanidade nele. Ele resiste ao controle, mais do que qualquer outro chipado.

Antônio sentiu a mão tremer no gatilho.

— Se estiver mentindo, eu mesmo acabo com você.

— Aceito essa condição — respondeu Dehr, levantando lentamente as mãos vazias. — Só peço uma chance. Quero... me redimir.

Silêncio.

Laura olhou para Antônio.

— O que fazemos?

Ele respirou fundo, os olhos fixos naquela criatura que parecia tão... deslocada. Não havia arrogância, nem ameaça em sua postura. Apenas algo difícil de definir: arrependimento.

— Você vem com a gente. Mas se fizer qualquer movimento suspeito, está morto. Entendido?

Dehr concordou.

— Entendido.

No caminho de volta ao esconderijo, David sussurrou para Antônio:

— Tem certeza disso?

— Nem um pouco — respondeu o líder. — Mas talvez, só talvez... ele seja a peça que faltava.

Enquanto caminhavam entre ruínas e árvores mortas, Dehr olhava ao redor com uma expressão estranha, algo entre fascínio e tristeza. A Terra que conhecera dos registros já não existia mais. Mas talvez, com esses humanos, ainda houvesse esperança de reconstruí-la.

Nem que fosse um fragmento.