Os anos 1990 chegaram com um desafio inédito para a TV Globo: a supremacia absoluta, construída ao longo de décadas, começou a ser questionada. O Brasil vivia a redemocratização, a abertura econômica e o avanço da concorrência, com emissoras como SBT e Record ganhando terreno e a chegada da TV a cabo ameaçando a audiência da TV aberta. Entre 1990 e 1999, a Globo enfrentou a necessidade de se transformar, equilibrando sua fórmula consagrada com inovações que mantivessem sua relevância. Foi uma década de ajustes, reinvenção e novos marcos culturais, em que a emissora provou sua resiliência diante de um mercado em mutação.
A teledramaturgia continuou sendo a espinha dorsal da Globo, mas precisou se adaptar a um público mais exigente. Novelas como "Pantanal" (1990), originalmente da TV Manchete, inspiraram a emissora a investir em tramas regionais e visuais exuberantes, como "Renascer" (1993), de Benedito Ruy Barbosa, que explorou o ciclo do cacau no sul da Bahia. "A Próxima Vítima" (1995), de Silvio de Abreu, trouxe suspense e mistério ao horário nobre, enquanto "Torre de Babel" (1998) ousou com temas polêmicos, como a homossexualidade, embora tenha enfrentado rejeição inicial do público. Essas produções mostraram a capacidade da Globo de renovar o gênero, mas também expuseram os limites de sua fórmula diante de uma audiência fragmentada.
A concorrência era o principal motor dessa transformação. O SBT, sob o comando de Silvio Santos, alcançava picos de audiência com programas como "Domingo Legal" e a exibição de novelas mexicanas baratas e populares, como "Maria do Bairro". A Record, após ser adquirida pela Igreja Universal em 1989, começava a investir em jornalismo sensacionalista e produções próprias. A Globo respondeu com estratégias agressivas: em 1995, lançou o Projac (hoje Estúdios Globo), um complexo de 1,6 milhão de metros quadrados no Rio de Janeiro, centralizando a produção e reduzindo custos. A emissora também reforçou sua grade com minisséries como "Hilda Furacão" (1998), que misturavam história e ficção com alta qualidade técnica.
O jornalismo da Globo ganhou novo fôlego nos anos 1990, refletindo um Brasil em transformação. A cobertura da morte de Ayrton Senna, em 1994, mobilizou o país, com transmissões ao vivo que capturaram a comoção nacional. O impeachment de Fernando Collor, em 1992, foi outro marco, com o "Jornal Nacional" e o "Fantástico" detalhando o processo que consolidou a democracia. William Bonner, que assumiu a bancada do "JN" em 1996 ao lado de Lillian Witte Fibe (e depois Fátima Bernardes), trouxe um tom mais coloquial e moderno, enquanto o "Globo Repórter" aprofundava temas como Amazônia e desigualdade social. A emissora se posicionava como mediadora do debate público, mas enfrentava críticas por suposta parcialidade em coberturas políticas.
A chegada da TV por assinatura, com canais como GloboNews (1996), desafiava a TV aberta. A audiência da Globo caiu em alguns horários, especialmente entre o público jovem, atraído por MTV Brasil e séries americanas. A emissora respondeu com reformulações: o "Fantástico" ganhou um formato mais dinâmico, com quadros como "Detetives da Ciência", e programas como "Malhação" (1995) foram criados para fisgar os adolescentes com tramas leves e contemporâneas. A exportação de novelas, como "O Clone" (embora de 2001, reflete o sucesso internacional iniciado nos anos 1990), manteve a Globo como líder global em teledramaturgia, com vendas para mais de 100 países.
Economicamente, o Brasil dos anos 1990 era instável, com o Plano Real de 1994 estabilizando a moeda, mas trazendo cortes no mercado publicitário. A Globo, sob a gestão de Roberto Marinho até sua morte em 2003 (fora do recorte deste capítulo), ajustou-se com eficiência, mantendo sua receita como a maior do setor. Tecnologicamente, a emissora preparava-se para a TV digital, testando sistemas que seriam implementados na década seguinte.
Ao fim de 1999, a Globo encerrava a década com um misto de triunfos e alertas. A audiência média ainda superava 50%, mas a concorrência e a fragmentação do mercado sinalizavam um futuro desafiador. A emissora havia se transformado, modernizando sua produção e diversificando sua grade, mas o domínio absoluto dos anos 1980 era passado. O Brasil entrava no novo milênio com mais opções, e a Globo, para manter sua coroa, precisaria continuar evoluindo.