Capítulo 5: Don't cry 'cause you're so right.


 O apartamento de Bruno na Vila Mariana estava mais bagunçado que nunca. Pilhas de papéis cobriam a mesa de jantar, o laptop zumbia com abas abertas, e xícaras de café frio se acumulavam na pia. Era uma noite quente de abril, quase um ano desde aquela tempestade que mudara tudo. Ele ajustou os óculos, os olhos ardendo de tanto olhar pra tela, mas um sorriso tímido brincava nos lábios. O "Vivo" estava pronto.


— Último teste — murmurou ele, clicando no botão de publicação.

O aplicativo foi ao ar numa loja digital, simples e sem alarde. Não havia propagandas, nem promessas de viralidade. Só uma tela branca com um convite: "Conte algo real". Bruno recostou na cadeira, o vento da noite entrando pela janela aberta e balançando as cortinas. Ele não sabia o que esperar, mas pela primeira vez em anos, não sentia o peso da dúvida.

Na manhã seguinte, o celular vibrou com uma notificação. Alguém postara no "Vivo". Era um áudio de dois minutos: uma mulher contando como perdeu o emprego na pandemia, mas aprendeu a fazer pão pra sustentar os filhos. Bruno ouviu, o peito apertado de um jeito bom. Outra postagem veio logo depois — uma foto de um grafite na Rua Augusta, com a legenda: "Fiz isso pra minha irmã que se foi". Ele leu, releu, e percebeu que os olhos estavam úmidos.

— Funcionou — disse pra si mesmo, quase sem acreditar.

Dias viraram semanas, e o "Vivo" começou a crescer. Não era uma febre como os aplicativos da moda, mas tinha vida própria. Pessoas postavam pedaços de suas histórias: um avô na Mooca falando sobre o primeiro dia no Brasil, uma garota em Pinheiros escrevendo sobre o dia que adotou um cachorro vira-lata, um garoto no interior do Paraná contando que conheceu o grande amor da sua vida. Bruno lia tudo, às vezes respondendo com mensagens curtas, outras só observando.

Uma tarde, ele encontrou Clara num café na Liberdade, o mesmo que vira naquele vídeo do servidor. Ela chegou com a mochila nas costas, o cabelo roxo agora desbotando pra um tom acinzentado.

— Então, o famoso Bruno do "Vivo" — disse ela, sentando com um café na mão. — Ouvi falar do seu aplicativo. Tá orgulhoso?

— Um pouco — respondeu ele, mexendo no copo de suco. — Não é grande coisa, mas é... real.

— Real é o que importa — disse Clara, dando um gole. — Eu baixei, sabe? Postei uma foto daquele galpão no Jaguaré. Escrevi que foi onde conheci um cara estranho que me fez acreditar em sinais.

Bruno riu, o som leve enchendo o espaço entre eles.

— Por que eu não vi? — Questionou e ela respondeu logo em seguida.

— Porque eu acabei de postar... agora. — Com o celular ainda em mãos.

— Você acha que foi um sinal mesmo? Aquele servidor, o rádio, tudo?

— Não sei — respondeu ela, olhando pela janela. — Mas te tirou daquele escritório, né? E me deu uma boa história pra contar. Nossa vida é feita de pequenas mágicas e a gente precisa se abrir para elas.

Eles ficaram em silêncio por um momento, o barulho da rua — buzinas, passos, conversas — entrando pelo vidro aberto. Bruno pensou em como tudo começou: a tempestade, o galpão, os vídeos que o confrontaram. Ele não precisava mais daquilo pra se mexer. O "Vivo" era pequeno, mas crescia devagar, como uma planta que ele regava com cuidado.

Naquela noite, de volta ao apartamento, Bruno sentou na varanda com o velho rádio de pilha ao lado. Ele não tocava nada agora, só chiava baixinho, mas Bruno o manteve por perto, como um lembrete, em alguns momentos esperando que aquela velha música do Naruto tocasse novamente, em outras apenas querendo manter as lembranças.

Olhou para as luzes de São Paulo, o vento morno soprando pelo concreto e pelas árvores da rua. Pensou no que deixaria pra trás quando não estivesse mais ali. Não seria um nome em neon ou uma fortuna, mas algo simples: histórias de gente como ele, guardadas num canto da internet.

— Tá bom assim — disse pro vento, a voz quase perdida na noite.

Ele pegou o celular e abriu o "Vivo" de novo. Uma nova postagem apareceu: um menino no Capão Redondo, contando como fez um carrinho de rolimã com os amigos. Bruno sorriu, fechou os olhos e deixou o vento levar o resto. Sabia que, quando morresse, algo dele ficaria — não pra sempre, mas por tempo suficiente.