Capítulo 5: Gil

15 de março, 07h00

Acordei cedo hoje. Dormi pouco, mas meu coração está disparado. É como se algo grande estivesse prestes a acontecer. Na verdade, está.

Hoje é o dia em que começo a viver como sempre quis. Vou ao médico para dar o primeiro passo na transição hormonal. É engraçado... Passei anos sonhando com isso, mas agora que chegou, sinto um frio na barriga, como se estivesse prestes a pular de um penhasco.

Minha mãe fez meu café da manhã favorito. Não falou nada, mas acho que ela sabe o que esse dia significa para mim. Ela ainda está aprendendo, assim como eu, e isso já é o bastante.


15 de março, 12h15

A sala de espera estava cheia. Havia outras pessoas trans ali, esperando pela mesma consulta, e ver tantos rostos diferentes me deu um conforto inesperado. Não estou sozinha.

Quando o médico chamou meu nome, meu coração deu um salto. Entrar naquele consultório foi como atravessar uma porta para outro mundo.

Ele me explicou tudo com paciência: como seria o processo, os efeitos esperados, os cuidados necessários. Falou sobre mudanças no corpo, nas emoções, e sobre como seria importante ter apoio durante a jornada. Eu ouvi cada palavra, mas a única coisa que ecoava na minha mente era: “Isso está acontecendo de verdade.”


15 de março, 18h40

No caminho para casa, passei por uma loja de cosméticos e decidi comprar um batom vermelho. Nunca tive coragem de usar um, mas hoje senti que merecia me dar esse presente.

Quando cheguei, minha mãe me viu com o batom na mão e sorriu.

“Está combinando com você, Gil,” ela disse, e meu peito se encheu de calor.


15 de março, 22h00

Agora estou aqui, no meu quarto, escrevendo e me olhando no espelho. Tenho o batom vermelho nos lábios e, pela primeira vez, vejo alguém que realmente sou eu.

Sei que o caminho não será fácil. Ainda tenho muitas dúvidas, muitos medos. Mas, hoje, pela primeira vez, sinto que estou no controle da minha história.

Escrevo minha última página do diário com a certeza de que ela não é realmente o fim.


15 de março, 23h10

Hoje, o que sou não é o fim.

É o começo de uma história que, enfim, é minha.