Pablo cambaleou mais alguns passos pela rua coberta de pétalas de cempasúchil. A sensação de paz era esmagadora, mas o frio intenso persistia. Ao tentar se firmar no tronco de uma árvore decorada, suas pernas cederam. Ele caiu, mas a queda foi incrivelmente suave, quase como se estivesse deitando em uma cama feita de flores macias.
Fechou os olhos, e o último pensamento em sua mente foi o eco doce e firme da voz de Doña Elena: “Aquí la vida es diferente... pero no se acaba la alegría.”
Ele não sentiu dor. Apenas um sono profundo e acolhedor. Pablo, finalmente, morreu ali, pacificamente, em meio ao calor e à celebração do Dia de Muertos.
Pablo acordou.
O cheiro de cempasúchil ainda estava ali, mas era mais doce. O ar não era frio, mas quente, vibrante. O som não era o burburinho de Oaxaca, mas a melodia alegre e incessante de um mariachi que tocava ao longe. Ele não estava no chão, mas em pé, no meio de uma praça iluminada por lanternas de papel picado e velas. O céu acima era de um azul profundo e eterno, salpicado de estrelas coloridas.
Todos ao seu redor tinham os rostos pintados de caveiras elaboradas — calaveras elegantes com flores, véus e sombreros —, mas não havia tristeza. Seus olhos, que brilhavam com uma luz interior indescritível, estavam cheios de vida e festa.
Ele viu uma figura se aproximar. Uma mulher baixa, com um vestido tradicional exuberante e um sorriso que ele nunca poderia esquecer. Ela não estava pintada como as outras, mas sua alegria era tão contagiante quanto o cheiro de chocolate caliente que emanava dela.
— ¡Mi chiquito! — exclamou a mulher, estendendo os braços.
Era Doña Elena. Sua pele parecia feita de luz e seu abraço era a coisa mais quente que Pablo sentira em anos.
— Mira, el gris no existe aquí. Te tardaste en soltar la pena, pero llegaste — ela disse, a voz cheia de amor e repreensão suave. — Bienvenido a la fiesta eterna, mi Pablo. Ahora sí, vamos a pintar esos alebrijes como se debe. ¡Con todo el color que te faltó allá!
Pablo olhou para as próprias mãos. A tristeza havia desaparecido, substituída por uma paz total. Ele estava em casa. Ele havia reencontrado sua bisavó, não para lamentar a morte, mas para celebrar a vida eterna na Terra dos Mortos.
Na Terra dos Vivos, a vida continuava.
Com a moeda de prata e o alebrije de madeira escura, Isabel conseguiu pagar o mecânico. Na manhã seguinte, ela levou o vocho de seu avô, agora consertado, para a procissão, sentindo que a generosidade daquele estranho melancólico havia sido a chave para o seu milagre. Ela nunca soube o destino final de Pablo.
Na casa da família, Rosa chorava a perda repentina do filho, mas a dor vinha acompanhada de uma estranha sensação de leveza. Ela fechou os olhos e, por um instante fugaz, sentiu o ar vibrar com a risada clara e despreocupada de sua mãe, Doña Elena, e, junto dela, a risada de seu próprio filho.
Pablo se juntou ao fluxo eterno de almas coloridas que, em todo Dia de Muertos, regressam para visitar aqueles que amam. A cor que ele buscou em seus alebrijes finalmente o encontrou.
